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<HR>
</DIV>
<DIV align=center><STRONG><FONT size=4><U>boletín solidario de
información</U><BR><FONT color=#800000 size=5>Correspondencia de Prensa</FONT>
<BR><U>14 de julio 2010</U><BR><FONT color=#800000 size=5>Colectivo Militante -
Agenda Radical</FONT><BR>Gaboto 1305 - Montevideo - Uruguay<BR>redacción y
suscripciones: </FONT></STRONG><A
href="mailto:germain5@chasque.net"><STRONG><FONT
size=4>germain5@chasque.net</FONT></STRONG></A></DIV>
<DIV>
<HR>
</DIV>
<DIV> </DIV>
<DIV><STRONG><FONT size=3>Brasil</FONT></STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>Entrevista a Mario Maestri
*</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>O Programa Racial do Capital e do
Trabalho para a Sociedade Brasileira </STRONG></FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Arial size=2><STRONG><FONT size=3>A vanguarda da esquerda
organizada aceitou as proposta de racialização da sociedade nacional sem crítica
e reflexão – afirma o historiador Mário Maestri, em entrevista sobre a igualdade
racial e o Estatuto que a regulamenta no Brasil.<BR></FONT></STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>Valéria Nader, do Correio da Cidadania
</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial size=2><STRONG>Via
Política</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial size=2><A
href="http://www.viapolitica.com.br/"><STRONG>http://www.viapolitica.com.br/</STRONG></A></FONT></DIV><FONT
face=Arial size=2>
<DIV align=justify><BR><BR>A versão do Estatuto da Igualdade Racial recém
aprovada pelo Senado foi bastante discutida nas últimas semanas. Tratando-se de
um daqueles temas amplamente abordados tanto pelos grandes veículos de
comunicação, como também por aqueles menores, nem por isso as opiniões
suscitadas são capazes de consolidar um entendimento mais fundamentado de
questão tão complexa. O historiador Mário Maestri amplifica os termos desse
debate, tomando-o a partir da atual sociedade capitalista. O historiador alerta
para que as discussões estão deixando na ‘penumbra a diferença de qualidade
entre a luta anti-racista e a proposta da luta pela igualdade racial’. </DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>P - Qual a importância da discussão sobre a
igualdade racial e do Estatuto da Igualdade Racial, para
regulamentá-la?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>R - Trata-se de debate fundamental, até agora dominado
pelas forças do capital e sob sua influência, que tem mantido na penumbra a
diferença de qualidade entre a luta anti-racista e a proposta da luta pela
igualdade racial. O anti-racismo é luta democrática contra a discriminação na
escola, no trabalho, na educação, etc. É parte da luta geral, no aqui e no
agora, contra os exploradores, pela extinção da sociedade de classes, base das
opressões econômica, nacional, sexual, étnica etc. A luta anti-racista é parte
do programa do mundo do trabalho, é mobilização democrática, progressista,
revolucionária. </DIV>
<DIV align=justify><BR>A proposta de igualdade racial propõe a existência de
raças diversas, que devem ser igualadas no que se refere ao tratamento e,
sobretudo, às oportunidades, no seio da sociedade atual. Por além de eventual
retórica radical, apesar do indiscutível unitarismo da espécie humana, recupera
e trabalha com o conceito medonho de raça e reduz a opressão social à opressão
racial de negros por brancos. É programa regressista e conservador, parte das
estratégias do capital contra o mundo do trabalho e seu programa. </DIV>
<DIV align=justify><BR>A proposta de igualdade racial avança essencialmente o
combate das desigualdades de oportunidades. Denuncia o tratamento, no melhor dos
casos, igual, dos desiguais. Através da descriminação positiva, os descriminados
negativamente concorreriam em igualdade com os privilegiados, estabelecendo-se,
assim, a justiça social. Nos fatos, naturaliza e recupera positivamente a
competição social, pilar essencial da retórica capitalista. Para essa ideologia,
não há mal em haver opressores e multidões de oprimidos. Desde que exista
equilíbrio étnico nos dois segmentos! </DIV>
<DIV align=justify><BR>A África do Sul é exemplo patético e cada vez mais
gritante dessa política. Durante décadas, o apartheid serviu para a dura
exploração das terras e dos braços negro-africanos. Por isso, o movimento de
libertação articulava corretamente a luta contra o racismo e contra a exploração
capitalista. Com a derrota mundial dos trabalhadores em fins dos anos 1980, a
direção do ANC terminou aceitando substituir a já superada elite racista na
gerência da exploração das massas negras sul-africanas. </DIV>
<DIV align=justify><BR>No governo pós-apartheid, mantiveram-se as relações de
propriedade e de exploração, ou seja, econômico-sociais, sob a gestão de classe
política e lúmpen-burguesia negro-africana, a serviço do capital e do
imperialismo. O fim do apartheid estabilizou a opressão de classe, a tal ponto
que o país acolhe hoje uma Copa do Mundo, e é apresentado como exemplo a ser
seguido! A miséria e a opressão dos trabalhadores e populares sul-africanos
seguiram aprofundando-se, sob a batuta de políticos negro-africanos tão
corruptos e venais como os brasileiros. Atualmente, eles se preocupam,
sobretudo, em formar uma classe média negra, para maior estabilização da nova
ordem! </DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>P - Qual a sua opinião sobre as cotas
universitárias, o principal e mais discutido tópico de reivindicações do
movimento negro?</STRONG> </DIV>
<DIV align=justify><BR>R – A proposta de igualdade racial e discriminação
positiva [cotas estudantis] não se preocupa com as multidões de jovens negros
[pardos, brancos, etc.] marginalizados em diversos graus pelo capitalismo.
Pretende, sobretudo, conquistar equilíbrio racial entre os privilegiados. De
certo modo, é como se propusesse colocar pesos nos corredores brancos, esguios,
para igualá-los aos negros, mais pesados, devido a handicaps sociais históricos.
Equilibrando-se as desigualdades, os vencedores serão os mais capazes.
</DIV>
<DIV align=justify><BR>O problema é que essa corrida premia os cem primeiros
chegados e marginaliza os 9.900 perdedores, em diversos graus. O que
importa é conquistar equilíbrio racial entre os cem laureados. Uma proposta que
sequer vislumbra a possibilidade e necessidade de se pôr fim à competição
canibal, para que todos sejam vencedores, segundo seus esforços, capacidades e
necessidades. Trata-se de mobilização por um mundo de exploradores e de
explorados sem diferenças raciais, desde que no paraíso dos privilegiados e
opressores haja vagas cativas para privilegiados e opressores
negros! <BR><BR>Estudar nas melhores universidades, em geral
públicas, é privilégio de pequena minoria de jovens, sobretudo brancos ou quase
brancos. A política cotista promete que, um dia, nessa minoria de felizardos,
haverá um número proporcional de negros. O que já é uma falácia, pois a base da
desigualdade social apóia-se essencialmente na posse e no domínio da
propriedade. A proposta cotista despreocupa-se com as multidões de jovens
marginalizados – em forte proporção, negros. O fundamental é mais generais,
advogados, médicos, engenheiros, farmacêuticos, capitalistas negros. Todos
ferrando a população trabalhadora, branca e negra, como fazem normalmente os
congêneres brancos. </DIV>
<DIV align=justify><BR>As principais justificativas dessa proposta são duas. A
primeira é que, enquanto não chegamos a uma sociedade justa [socialismo] há que
melhorar a realidade na sociedade capitalista. O problema é que essa proposta
correta justifica o incorreto abandono da luta, no aqui e no agora, do ensino
universal, gratuito e de qualidade, parte do programa democrático – e não
socialista. Esse programa inarredável das classes populares foi imposto,
substancialmente, pelo mundo da democracia e do trabalho, em países como a
Alemanha, a França, a Bélgica, a Itália, a Suécia, etc., todas sociedades
capitalistas! <BR>A segunda justificativa é que o Brasil não teria
recursos para garantir esse privilégio para todos. Defendendo o programa
cotista, Valério Arcary, intelectual pró-cotista, afirmou, sem enrubescer, que
sequer um “governo dos trabalhadores, pelo menos nas fases iniciais da transição
ao socialismo, num país como o Brasil, poderia garantir acesso irrestrito ao
ensino superior para todos [...]”! O governo brasileiro entrega bilhões a
banqueiros e capitalistas, nacionais e internacionais, mas não tem os meios para
implementar programa cumprido por Cuba, um país pobre, literalmente desprovido
de recursos naturais e de capitais! </DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>P – Então, a quem interessa a política de
igualdade racial e as propostasde descriminação positiva na escola, partidos,
serviço público etc., apenas rejeitadas pelo Senado, quando da aprovação do
Estatuto da Igualdade Racial?</STRONG> </DIV>
<DIV align=justify><BR>R – Por primeiro, interessa ao capital, grande
responsável pela defesa, propaganda e impulsão dessa política nos EUA, em fins
dos anos 1950. Ela foi consolidada, como política de manipulação da questão
racial, após a repressão geral e não raro massacre físico da vanguarda negra
classista e revolucionária estadunidense, nos anos 1960 e 1970. Ela começou a
ser introduzida no Brasil, pela Fundação Ford, entre intelectuais negros, nos
anos 1980. Não é por nada que a senhora Hillary Clinton, em recente viagem ao
Brasil, na única atividade não oficial, foi prestigiar essas políticas, em
faculdade brasileira organizada a partir de critérios raciais. </DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas qual foi e é o resultado das cotas nos EUA? No frigir
dos ovos, maio século após a implantação da política cotista, a droga e,
sobretudo o cárcere são a solução prioritária para a questão negra
estadunidense. Os EUA, com 5% da população mundial, possui 20% dos prisioneiros.
Deles, 50% negros! No país mais rico do mundo, com recursos inimagináveis, o
jovem negro acaba normalmente nos braços da droga e da prisão e raramente em
universidade e emprego razoável. </DIV>
<DIV align=justify><BR>E, apesar disto, o Estatuto da Igualdade Racial propõe
nada menos que o “Brasil” esteja “no mínimo, meio século atrás dos Estados
Unidos em matéria de cidadania para o povo negro”! Isso porquê, ali, o
fundamental para essa política foi atingido – temos presidente, alguns generais,
médicos, diplomatas, capitalistas, etc. negros! </DIV>
<DIV align=justify><BR>A política cotista é estratégia do grande capital
pois prestigia e naturaliza a ordem capitalista; nega a luta social e de
classes; procura dividir os trabalhadores e oprimidos por cor e raça; fortalece
a base social da sociedade opressora. E tudo isso, em geral, sem custos para ao
Estado! </DIV>
<DIV align=justify><BR>A política de escola pública, gratuita e de qualidade
exige investimentos, que são feitos ali onde ainda domina os princípios
democráticos e republicanos dos serviços públicos básicos universais. Ao
contrário, a política cotista não exige que o Estado gaste um real, ao destinar
30%, 60% ou 90% das vagas das universidades públicas – dos cargos federais,
postos de trabalho, etc. – para negros, índios, mulheres, etc. O Estado não
gasta nada, pois são investimentos já feitos. Só redistribui os privilégios e as
descriminações. </DIV>
<DIV align=justify> </DIV>
<DIV align=justify>E, com as políticas cotistas, além dos dividendos
político-ideológicos, o Estado classista, prestigiado, vê cair a luta e a
pressão popular pela extensão desses serviços. Ao igual que nos EUA. Não é por
nada, portanto, que as atuais lideranças do movimento negro cotista não exigem
ensino público, livre e gratuito universal. E, imaginem só a saia justa do
governo, do Estado e do capital, se a juventude popular e trabalhadora, como um
todo, tomasse as ruas, exigindo ensino universal, público e de qualidade! Se não
obtivessem tudo que pedissem, na primeira vez, levariam certamente muito! </DIV>
<DIV align=justify><BR>As propostas de igualdade entre as raças,na ordem
capitalista, interessam também a certo tipo de liderança negra. Defendendo as
políticas do capital de racialização da sociedade, inserem-se no jogo da
representação política e institucional, sendo por isso gratificada econômica,
social, simbolicamente. Não creio que tenha sido estudada a gênese-consolidação
dessa representação étnica nascida à sombra do Estado, fortemente impulsionado
durante os governos Lula da Silva. Porém, mutatis mutandis, não parece ser
processo diverso do ocorrido com as representações sindicais e populares
cooptadas pelo Estado, após a enorme derrota dos trabalhadores de fins dos anos
1980. </DIV>
<DIV align=justify><BR>Finalmente, essas políticas interessam a segmentos médios
e médio-baixos negros. É segredo de Polichinelo que as políticas de cotas
privilegiam, sobretudo, os segmentos negros relativamente mais favorecidos, em
detrimento dos trabalhadores e marginalizados de mesma origem. O filho do
professor negro vence o filho do pedreiro negro, na disputa de uma cota. Ao
igual do que ocorrem com filho do engenheiro branco, ao disputar com o do
zelador de mesma cor, no vestibular. Ainda que, em bem da verdade, os filhos dos
zeladores e dos pedreiros sequer sonhem com um curso universitário. </DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>P - E quem está contra o Estatuto da Igualdade
Racial? O que pensas da participação do senador Demóstenes Torres na relatoria
desse projeto, após declarações preconceituosas sobre a escravidão e a opressão
aos negros?</STRONG> </DIV>
<DIV align=justify><BR>R – No Brasil, a oposição às políticas de igualdade
racial tem duas grandes vertentes, essencialmente opostas [com posições
intermediárias, é claro]. A vertente minoritária, com escasso espaço na mídia e
no debate, é formada por um punhado de intelectuais, ativistas, sindicalistas,
lideranças sociais etc. negros e brancos, de tradição republicana, democrática,
socialista e revolucionária. Em geral, ela expressa, direta ou indiretamente, os
interesses do mundo do trabalho e, portanto, da grande população trabalhadora e
marginalizada negra, discriminada e esquecida pelas propostas retóricas de
igualdade racial. Essa vertente mobiliza-se pela luta anti-racista e pelos
direitos democráticos gerais, no aqui e no agora, sem qualquer exceção e
privilégios.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A vertente majoritária, com grande presença na mídia,
formada, em especial, por políticos, jornalistas, intelectuais, etc., é
impulsionada por preconceitos elitistas, racistas e corporativistas. É
formada, sobretudo, por brancos e alguns oportunistas não-brancos. O senador
Demóstenes Torres é representante exótico desta corrente, assim como, por
exemplo, o jornalista Ali Kamel, constitui defensor refinado das mesmas
visões. </DIV>
<DIV align=justify><BR>A primeira vertente, ao refletir, direta ou
indiretamente, o mundo do trabalho e seu programa, tem consciência das
consequências dramáticas das propostas de racialização da sociedade brasileira
para a luta e as conquistas sociais e para a própria organização e convivência
nacional. A segunda, representa, sobretudo, os setores sociais médios brancos em
parte deslocados por essas políticas, em favor dos setores da classe média e
médio-baixa negra, como proposto. </DIV>
<DIV align=justify><BR>No último caso, trata-se de defesa conservadora de
privilégios das classes médias brancas, contra as políticas raciais
conservadoras do grande capital, despreocupado no geral com aqueles segmentos.
Trata-se de um movimento em algo semelhante à resistência final dos racistas
sul-africanos, quando o capital decidira a entronização da nova classe política
negro-africana. Resistência que se mantém até hoje em forma já residual, na
África do Sul. Não devemos esquecer que o capital não tem cor. Historicamente,
ele se serve do racismo para impor sua dominação e obter super-exploração.
Porém, quando necessário, ferra sem dó os segmentos racistas. </DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>P – O Senado retirou do projeto a obrigatoriedade
do registro da cor das pessoas nos formulários de atendimento do SUS,
considerado por muitos como o retrocesso maior, já que os índices referentes à
saúde da população negra denunciariam fortemente a discriminação
racial.</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>R – É enrolação estatística dizer que os negros, por
serem negros, são mais desfavorecidos que os brancos, por serem brancos, por
exemplo, no relativo à saúde. Comparemos os engenheiros negros e os pedreiros
brancos. Nesse caso, a saúde dos brancos é certamente pior do que a dos negros.
E se cotejarmos a saúde dos médicos brancos à dos médicos negros certamente ela
será, no geral, idêntica! </DIV>
<DIV align=justify><BR>O fato de que há maioria de negros entre as classes
exploradas e maior número de brancos entre os privilegiados determina diferença
social que pode ser percebida artificialmente como racial, e não social. Seria
estatisticamente mais interessante registrar e tornar pública a situação
sócio-profissional dos atendidos pelo SUS, registrando a enorme insuficiência
das classes trabalhadoras e marginalizadas, brancas, negras e pardas, quanto à
saúde e à esperança de vida. Realidade não retida, como devia ser, no relativo à
remuneração e à idade de aposentadoria.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No essencial, as propostas da obrigação da definição da
cor [no fato, da pretensa raça] quando de registros públicos procuram impor
literalmente racialização artificial do país. Para essa proposta, você não seria
mais simplesmente brasileiro. Mas, obrigatoriamente, brasileiro branco ou
brasileiro negro. </DIV>
<DIV align=justify><BR>Trata-se de proposta anti-republicana, anti-democrática e
profundamente racista determinar pela lei que todo o cidadão assuma uma
identidade racial aleatória ou oportunista. Uma identidade racial que, no novo
mundo proposto, poderia ensejar privilégios em relação ao resto da população.
Esta proposta se apóia igualmente na concepção da necessidade da definição da
raça quando do atendimento médico, pois, segundo ela, negros e brancos, de raças
diversas, exigiriam tratamentos e procedimentos médicos diversos! Ou seja, que
brancos e negros seriam biologicamente diversos, como defendiam já, os
escravistas e seus ideólogos racistas, como o celerado e farsante conde de
Gobineau [1816-1882]. </DIV>
<DIV align=justify><BR>Proposta racista, de caráter a-científico, que demonstra
sua enorme obtusidade, ainda mais no Brasil, onde a auto-definição racial tende
no geral sequer possui uma correspondência genética mais precisa. Os estudos
científicos apontam para que, em uma enorme quantidade, os brasileiros são
produtos de um forte mescla genética de população das mais diversas origens
européias, americanas, africanas, asiáticas, etc. E não devemos lembrar que
aquelas populações já resultavam de enormes interações genéticas. </DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>P – Como você enxerga as lamentações do movimento
negro, que definiu a aprovação dessa versão do Estatuto como traição às lutas
históricas e que seria melhor brigar mais dez anos pela aprovação de versão
satisfatória? Você incluiria o projeto aprovado no rol de recuos do governo Lula
da Silva, em praticamente todas as pautas de caráter mais progressista?</STRONG>
</DIV>
<DIV align=justify><BR>R – Foi enorme a cooptação pelo Estado de dirigentes
populares no governo Lula da Silva. Hoje, enorme parte das direções negras tem
ligações diretas ou indiretas com o lulismo, com o petismo, com o Estado, com os
quais não arriscam oposição e dissidências. Ao igual que as direções
sindicalistas, camponesas, populares, etc. também cooptadas. Jamais vimos essas
lideranças do movimento negro mobilizando-se contra a ocupação do Exército
brasileiro do Haiti. Ou levantando-se contra o tratamento bestial do
sistema prisional brasileiro, habitado por enorme população negra. Ou
denunciando o quase total abandono das populações flageladas dos últimos tempos.
Silêncio de túmulo. </DIV>
<DIV align=justify><BR>A reprovação do Estatuto no Senado parece ter causado
apenas as assinaladas lamentações das lideranças responsáveis por sua
apresentação. Ele não interpretava as necessidades da população negra pobre e
explorada, que continua abandonada a sua sorte, sem conseguir construir suas
verdadeiras lideranças e programas, ao igual que a maioria dos trabalhadores e
oprimidos dos campos e das cidades do Brasil. <BR></DIV>
<DIV align=justify><STRONG>P – Acredita que se realizou um debate público a
contento, com a participação efetiva da sociedade, na discussão das políticas de
descriminação racial positiva, em geral, e do Estatuto, em
particular?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>R – Houve debate, super-estrutural e institucional:
programas de rádio e de televisão; artigos e livros jornalísticos e acadêmicos;
alguns editorias. Porém, o debate jamais alcançou a população nacional, a ser
enquadrada pelo Estatuto, seja qual seja sua cor. Se fizéssemos um levantamento,
a imensa maioria dos brasileiros não sabe o que seja o Estatuto e a quase
totalidade não sabe realmente o que ele propõe. </DIV>
<DIV align=justify><BR>O debate jamais foi realmente enfrentado, mesmo pela
esquerda, que, paradoxalmente, no passado, destacou-se pela ênfase da
importância da escravidão e do racismo na sociedade de classes no Brasil. No
século 20, foram efetivamente militantes marxistas e comunistas que contribuíram
fortemente para que a questão negra se transformasse no Brasil em problema
histórico e teórico de larga discussão – Astrogildo Pereira, Edison Carneiro,
Benjamin Perét, Clóvis Moura, Décio Freitas, etc. </DIV>
<DIV align=justify><BR>A vanguarda da esquerda organizada aceitou as proposta de
racialização da sociedade nacional sem crítica e reflexão, como parte das novas
e antigas sensibilidades ambientalistas, feministas, anti-racistas, etc.
Contribuíram nessa aceitação a-crítica e passiva a escassa formação política e,
sobretudo, os frágeis vínculos com o operariado nacional. Operariado em franca
regressão, no Brasil e no mundo, especialmente após a derrota histórica de fins
de 1980, que ensejou depressão dos valores universalistas, racionalistas,
socialistas, etc. Ou seja, com a crescente fragilidade do programa dos
trabalhadores, fortaleceram-se a influência das propostas ideológicas e
conservadoras do capital, também entre a própria esquerda, como no caso das
visões raciais da sociedade. </DIV>
<DIV align=justify><BR>Nas razões dessa renúncia passiva ao programa socialista
ajuntaríamos uma espécie de consciência culpada, por parte de militantes em
geral com origem na classe média e médio-baixa branca, no contexto de escassa
importância dada à questão, vista tradicionalmente como periférica aos problemas
centrais da revolução. Mesmo quando seja destacada nos programas políticos.
Foram também importante às pressões da juventude negra estudantil radicalizada,
conquistada para essas propostos, no processo de flexibilização de organizações
de esquerda, como o PSTU, de frágeis vínculos sociais e políticos com os
trabalhadores. </DIV>
<DIV align=justify><BR>* Mário Maestri, 62, é historiador marxista, tento
estudado sistematicamente a escravidão colonial e da África Negra. Publicou,
entre outros trabalhos, O escravismo brasileiro São Paulo, Atual]; Cisnes
negros: uma história da revolta da Chibata [São Paulo, Moderna]; A linguagem
escravizada, com a lingüista Florence Carboni [São Paulo, Moderna].
<HR>
</FONT></DIV></BODY></HTML>