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<BODY background="" bgColor=#ffffff><FONT face=Arial><STRONG>
<DIV align=justify>
<HR>
</DIV>
<DIV align=center><FONT size=4><U>boletín solidario de información<BR></U><FONT
color=#800000 size=5>Correspondencia de Prensa<BR></FONT><U>24 de agosto de
2013<BR></U><FONT color=#800000 size=5>Colectivo Militante - Agenda
Radical<BR></FONT>Montevideo - Uruguay<BR>Redacción y suscripciones: <FONT
color=#0000ff>ger<U><A
href="mailto:germain5@chasque.net">main5@chasque.net</A></U></FONT></FONT>
<HR>
</DIV></STRONG></FONT>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>Brasil</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>Entrevista a Ricardo
Antunes</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>"Descontentamento monumental faz
emergir era de rebeliões no Brasil"</STRONG></FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Arial><STRONG>"Enfraquecida, Dilma fica ainda mais refém do
capital"<BR></STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><BR></DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG>Valéria Nader e Grabriel
Brito<BR></STRONG><A
href="http://www.correiocidadania.com.br/"><STRONG>http://www.correiocidadania.com.br/</STRONG></A></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial> <BR></FONT></DIV>
<DIV align=justify><STRONG><FONT size=2 face=Arial>Um dos grandes estudiosos do
mundo do trabalho, o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes já havia
dito, após o estouro da crise econômica internacional, quando eclodia a
Primavera Árabe, que um novo tempo de ebulição social marcaria o início do
século 21, a exemplo, porém não identicamente, do século 20. </FONT><FONT size=2
face=Arial>Pois bem. O capitalismo financeirizado e globalizado continuou
buscando suas fugas para frente e, de fato, vieram as novas eclosões sociais, em
todos os cantos do mundo, chegando finalmente ao Brasil, sede dos próximos
megaeventos esportivos.</FONT></STRONG></DIV>
<DIV align=justify> </DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG>-Correio da Cidadania: Como
você sente o atual momento do país, após as grandes e intensas manifestações
país afora no mês de junho? Qual o sentido e perspectivas para os quais apontam
estas manifestações?</STRONG></FONT></DIV><FONT size=2 face=Arial>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: As manifestações que começaram em junho
e continuam hoje tiveram uma cara multiforme. Elas têm motivações, modos e
formas de ser diferentes. Começaram no dia 6 de junho com 2 mil pessoas, ligadas
ao Movimento Passe Livre, depois foram se ampliando, até atingirem manifestações
multitudinárias, com dezenas e centenas de milhares de pessoas, chegando, no
momento de auge, a mais de 2 milhões de manifestantes no conjunto do país.
Depois, entramos em julho, com manifestações mais localizadas. Mas quase todo
dia ainda temos expressões das mobilizações de junho.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para mim, é preciso entender a causalidade desse
movimento, passando por três ou quatro pontos que me parecem centrais. O
primeiro é uma causalidade interna, motivada, digamos, pela percepção de que o
projeto que vem se desenvolvendo no Brasil desde a década de 90 (com FHC, depois
levemente alterado, mas não substantivamente, pelos governos Lula e Dilma),
voltado ao desenvolvimento capitalista financeirizado e mundializado,
sedimentado em privatizações, superávit primário e desregulamentação dos
capitais, portanto, tendo os fluxos de capitais como modus operandi, causou, ou
vem causando, profundo mal estar social.</DIV>
<DIV align=justify><BR>E podemos dizer que tal processo de desenvolvimento
chegou à sua exaustão. A população não suporta mais o transporte privatizado, a
saúde precarizada, degradada e também privatizada, o ensino público
profundamente degradado e abandonado. À exceção das escolas da elite, privadas
mas com mensalidades exorbitantes, somente para as classes dominantes e classes
médias altas.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A população, portanto, chegou ao seu ponto de saturação e
esgotamento, causados por essa mercadorização da res publica, a privatização
tipicamente neoliberal. Vale lembrar que também na Inglaterra tivemos a mesma
saturação, levando à queda Margaret Thatcher, com a explosão contra o aumento do
imposto, o chamado pool tax. Ainda que os quadros brasileiro e inglês sejam
bastante diferentes, chega uma hora que tal processo exaure o seu sentimento de
aceitação na população. É por isso que faço aqui a referência ao exemplo inglês.
Em alguma medida, as explosões de junho estampam o exaurimento da população com
tanto descaso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Iniciamos uma fase de fim da letargia. Aconteceu e aí
entra o segundo elemento, numa conjuntura muito específica: a explosão das
manifestações foi marcada pela Copa das Confederações, quando a população
percebeu que estádios de primeiro mundo o Brasil faz; enquanto isso, já no
entorno dos estádios, a população é excluída. Todos vimos durante a “Copa das
Rebeliões” que os pobres e negros não estavam presentes nos estádios. Estavam
vendo os jogos nos estádios as classes médias e as camadas abastadas. Os que
construíram o país nestas últimas duas décadas ficaram excluídos. Até mesmo do
entorno do estádio, já que o comércio oficial da Copa expulsou a população que
poderia explorá-lo, os camelôs, os ‘bicos’, aquele pequeno comércio que, para
muitas pessoas, é a sobrevivência, a fim de se colocar somente aquilo que a FIFA
impunha. A população percebeu que há uma simbiose complexa entre FIFA,
interesses transnacionais e governo. E as prejudicadas, quem sofreu e vem
sofrendo com tal processo, são as camadas populares. Isso fez com que houvesse,
a cada jogo, uma ou muitas manifestações, muitas rebeliões, com muita
conflagração, onde a população mostrava seu completo e cabal desconforto. Tudo
fica evidente ao se ver que, ao menos desde que acompanho futebol, desde anos
60, não houve comemoração do título. Após a vitória contra a Espanha, não houve
festejo, pois a insatisfação popular estava no limite.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Isso coincidiu num terceiro e importante movimento,
relacionado ao cenário internacional. Desde 2008 vemos que todas as
manifestações de massa – começando da Tunísia e indo à praça Tahrir (Egito), à
praça Taksim (Turquia), voltando à Tahrir, passando pela Grécia, Itália,
Portugal, França, Reino Unido, EUA, com o Occupy Wall Street, e Espanha, com os
Indignados – têm como traço comum a ocupação do espaço público, das ruas e
praças. Tal ocupação significa que a população não suporta mais a atual forma
degradada de institucionalidade, seja no caso dos países do Oriente Médio com
suas ditaduras, seja no caso dos países do ocidente com seu modelo de
“democracia burguesa” só para os ricos. Há também um fosso muito grande entre a
vontade popular e os interesses do parlamento. No caso brasileiro, por exemplo,
o Congresso Nacional certamente é a instituição mais rejeitada pelo país
hoje.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No caso internacional, naturalmente há um efeito
demonstrativo para o conjunto de cada país: da Tunísia para o Egito, de lá para
o Iraque e a Síria; da Espanha para Portugal; da Grécia pra Itália; de lá para o
Reino Unido; depois, do Reino Unido para os EUA com o Occupy. Isto é, esse
cenário de manifestações populares contra a destruição da res publica, contra a
lógica de uma acumulação financeira ilimitada, além de destruição social e
pública também ilimitada, uma hora teve um limite.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Isso corrobora suas
afirmações em entrevista concedida a nós em 2011, na qual afirmou que, assim
como as placas tectônicas se mexeram no início do século 20, estávamos vivendo
novos tempos de ebulição social, tão globalizada como o próprio
capitalismo?<BR></STRONG></DIV>
<DIV align=justify>Ricardo Antunes: Sim, usando essa metáfora, as várias curvas
que existiam em nosso país, de direções muito diferentes, se encontraram, todas
elas, num ponto de intersecção representado inicialmente pelo 6 de junho, e esse
ponto de intersecção gerou a ebulição. A percepção de projeto de governo de
matriz ou neoliberal ou social-liberal começa a ruir.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Outro ponto: o mito da classe média mostrou-se muito mais
mito que realidade. Vimos agora que os níveis de desemprego – ou, se quiserem,
níveis de aumento de emprego – de algum modo começam a diminuir, sinalizando a
diminuição dos ritmos de crescimento, que começam a chegar também aqui ao
Brasil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Esse cenário todo é, para mim, a explicação de fundo do
monumental descontentamento e desta era das rebeliões em que adentramos no
Brasil a partir de junho. Entre junho e julho, as grandes manifestações de massa
migraram para manifestações nas periferias, ou manifestações contra os pedágios
ou para outras motivações, como as contrárias ao brutal desaparecimento de
Amarildo, no estado do Rio, onde os governos estão marcados por níveis
aviltantes de descuido da gestão pública.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Vimos outro caso nos últimos dias: todo o espaço
preparado, com muita verba pública, para a visita do papa, no cenário onde ele
poderia fazer seu “festival”, sua celebração, e que não foi usado, por causa da
chuva e da lama. Quantos milhões foram gastos para preparar o espaço (que depois
foi substituído pela praia de Copacabana)? Isso aflora, de novo, a destruição da
res publica no Brasil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Tudo isto num contexto em que muitos estratos da classe
trabalhadora estão endividados, porque consumiram e usaram seu cartão. O cartão
é um fetichismo espetacularmente perigoso. Gasta-se dinheiro que não se paga com
papel-dinheiro. E o não uso do papel-dinheiro, para muitas pessoas, leva a certo
nível de abstração, do tipo “no cartão eu pago depois”. Mas, a cada dia não
pago, se é lesado pelas altíssimas, explosivas e verdadeiramente saqueadoras
taxas de juros dos cartões de crédito cobrados pelos bancos no Brasil. Esse é o
cenário e o conjunto de questões sem os quais não dá pra entender o que se passa
no país no momento.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: A reboque dessas
manifestações, foi convocada a greve geral de 11 julho de 2013. Como avaliou a
oportunidade dessa convocação, bem como os resultados dela advindos, em termos
da participação de fato da classe trabalhadora e da juventude
operária?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Aqui precisamos de um pouco de atenção
na análise. As manifestações mais fortes que têm tido corpo no país nesse
período recente são as de rua, puxadas pela juventude estudantil que trabalha ou
pelo assalariado urbano que estuda, além de setores da periferia - e, por isso,
diferentes da greve das universidades federais de 2012 ou das greves de Jirau e
das obras do PAC, também grandes, e diferentemente ainda de 2012 no geral,
marcado por muitas greves com reivindicações mais específicas e próprias da
pauta sindical, salarial.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A greve de 11 de julho, então, precisa ser analisada com
cuidado. Em primeiro lugar, a maioria das greves no Brasil, salvo exceções, não
são momentos de grandes manifestações de massa nas ruas. Houve quatro grandes
greves gerais no Brasil nos anos 1980 e não tivemos então grandes manifestações
de massa nas ruas. Mas foram greves marcadas pela paralisação de setores
importantes do país; bancos, indústria, setores do comércio etc.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Ainda não temos um levantamento cuidadoso de quais
setores pararam no dia 11. Quais atividades foram mais ou menos afetadas?
Sabemos, por exemplo, que foram importantes as paralisações de várias estradas e
autopistas, portanto, dificultando o fluxo de mercadorias e pessoas. Precisamos
saber o que se passou com a produção, bancos, comércio etc. Teremos análises
mais profundas sobre a incidência dessa greve quando soubermos exatamente quais
setores pararam ou não.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O segundo ponto é mais difícil. Das centrais sindicais
que participaram, muitas são completamente atreladas aos projetos do governo e é
difícil para a população entender como elas, que apóiam mais ou menos o governo
(com a exceção clara da CONLUTAS e do movimento INTERSINDICAL), tornam-se, de
repente, parte de um movimento de clara oposição a todos os governos.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: E como você analisa a
entrada de tais centrais atreladas ao governo no embalo das mobilizações de rua?
</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Essas manifestações de junho nasceram
contra o sistema de governos existentes. Não foram manifestações especificamente
contra a Dilma, ou contra o Alckmin, ou contra o Haddad, o Eduardo Paes, o
Cabral. Mas foram, simultaneamente, contra todos. Contra o governo federal,
contra os governos estaduais, contra os municipais, no caso do Rio até mais
evidentemente. Depois, vimos as pesquisas mostrando o desmoronamento dos índices
de aprovação de todos esses governos, de cima a baixo. E muitas das centrais
sindicais estavam comprometidas com o projeto do governo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, como uma central comprometida com tais projetos
vai pautar a rua? A CUT, por exemplo, acreditou piamente no mito de que o país
estava mudando. Reproduziu o discurso lulista de que o país era de classe média,
a classe trabalhadora estava feliz, tudo funcionava melhor... De repente,
ficaram completamente aturdidos. É compreensível, portanto, que a maioria das
centrais sindicais, por acreditarem no mito do país que dava certo, não podia
ter grande sucesso no seu chamamento.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Desse modo, eu não gostaria de classificar a greve nem
como vitória, nem como derrota. Ela tem de ser vista com um pouco mais de
atenção. Os bancos funcionaram? O setor de transporte funcionou? As indústrias
tiveram diminuição de suas atividades? Se o nível de paralisação em tais setores
foi muito baixo, está configurada uma derrota</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>- Correio da Cidadania: E quanto às centrais
independentes e de oposição, você diria que ficaram sem muito espaço pra
operarem uma mobilização de sucesso?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: As centrais que sempre fizeram oposição
ao governo, como a Conlutas e o movimento denominado Intersindical, além de
outros setores que têm estado desde o início do governo Lula em clara oposição,
para não falar do governo FHC, ainda têm uma força minoritária, mas têm um amplo
espaço para avançar.</DIV>
<DIV align=justify><BR>As centrais que estão na órbita do governo tentaram
mostrar o seu espaço, mas as manifestações que vemos não são manifestações
lideradas pela institucionalidade, nem mesmo pela institucionalidade sindical.
São manifestações de massa contra as formas burocratizadas e degradadas da
institucionalidade.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, coloco um outro ponto, para encerrar a análise da
greve: elas, em geral, não costumam convergir em grandes manifestações de rua,
salvo quando tínhamos as greves do ABC, em tempos passados e históricos do país.
No ABC, as manifestações iam às ruas para entrar no estádio, à época de Vila
Euclides, depois 1º de Maio, a polícia impedia e sempre havia confronto. Mas,
salvo momentos de crise profunda, as greves no Brasil não são marcadas por
grandes manifestações de massa na rua. Salvo, repito, aquelas greves de caráter
político muito aberto, como na época da ditadura ou em outras greves do pré-64,
claramente políticas. Em geral, quando bem sucedidas, são marcadas por maior ou
menor adesão dos trabalhadores ao chamamento de suas centrais. Se o índice de
paralisação é alto, torna-se vitoriosa em grande medida. Baixa adesão significa
o inverso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Como as centrais têm sido cooptadas, muitas delas pelo
governo, burocratizadas e institucionalizadas, não é difícil concluir, com as
exceções já citadas (e suas dificuldades por serem entidades de menor
amplitude), que as paralisações de 11 de julho certamente não entraram no mesmo
patamar, nem de longe, de força que tiveram as manifestações de junho, que
atingiram dezenas e centenas de milhares de participantes em São Paulo e no
conjunto do país, caracterizadas como grandes manifestações nas praças e espaços
públicos.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Face a este contexto, onde
a vitalidade das manifestações da juventude contrastou com uma greve geral
esvaziada, o que pode ser diagnosticado quanto à atual estrutura sindical, com
traços evidentes de corporativismo, economicismo e atrelamento ao
Estado?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: O problema da estrutura sindical,
formalmente atrelada ao Estado e burocratizada, deve ser adicionado a outro
elemento central: o problema é das direções sindicais que aceitaram os
chamamentos do governo lulista, aceitaram o caminho da servidão voluntária;
lutaram e bateram palma para a extensão do imposto sindical às centrais, essa
verdadeira aberração do sindicalismo, criado pela ditadura varguista, mas que
gera muito dinheiro. Direções estas que acreditaram no projeto lulista.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O que vemos, na realidade, é que a cúpula das centrais,
por problema de sua estrutura e, essencialmente, por suas concepções políticas,
sindicais e ideológicas, altamente burocratizadas, submersas e atoladas no que
já chamei de sindicalismo negocial de Estado, vive um momento difícil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Claro que o problema tem causas complexas: a classe
trabalhadora se metamorfoseou. Há uma nova morfologia do trabalho, coisa que já
expus bastante em meus trabalhos. Essa nova morfologia nos apresenta categorias
novas, que não existiam anteriormente: os trabalhadores do telemarketing, de
call center, caixas de supermercados, da indústria de fast-food, enfim, um novo
proletariado do setor de serviços, não industrial. Desses setores, muitos estão
à margem da representação sindical ou não aceitam a representação tradicional.
Portanto, estamos num momento de redefinição da concepção de sindicato.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Mas qual tipo de
redefinição na estrutura sindical você avalia como necessária e possível para os
próximos anos?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Tenho dito há algum tempo que os
sindicatos poderiam se inspirar mais nos movimentos sociais, ou seja, terem uma
concepção mais horizontal, menos cupulista, menos burocratizada e mais afinada e
sintonizada com as questões vitais que tocam seus representados. Quais são as
questões vitais que vêm atingindo o cotidiano da classe trabalhadora brasileira:
precarizados, precarizadas, terceirizados, terceirizadas, quarteirizados e
quarteirizadas, e todos que estão inseridos na economia pautados por laços de
informalidade?</DIV>
<DIV align=justify><BR>A classe trabalhadora hoje é tanto masculina quanto
feminina, como sempre foi. Há setores como telemarketing e call center nos quais
70% ou 80% de seu contingente é feminino; a classe trabalhadora hoje tem alguns
de seus estratos (como os supermercados) marcados pela juventude; ela tem traços
de gênero, geração e etnia. São todas questões que o sindicalismo precisa
compreender. Não é estranho que uma categoria como o call center, cuja grande
maioria é formada por mulheres, tenha as direções de seus sindicatos formadas
por homens? E é só um traço, um exemplo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim como na virada do século 19 para o século 20,
quando nós saímos de um sindicalismo de ofício para um sindicalismo de massa, na
transição para o século 21 nós devemos sair de um sindicalismo que começou como
de massa, tornou-se profundamente burocratizado, institucionalizado e
verticalizado, para um sindicalismo mais horizontal, que seja efetivamente
representativo do conjunto da classe trabalhadora que ele pretende representar.
Esse é o desafio mais vital do sindicalismo de classe hoje.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Por fim, é preciso também resgatar o sentido de
pertencimento de classe, que obriga os sindicatos a compreenderem a nova
morfologia da classe. E avançar em sua dimensão autônoma, de base, significa
abandonar o sindicalismo negocial de Estado, que tem sido dominante pelo menos
nas cúpulas sindicais mais próximas ao governo -as quais, vale acrescentar, se
desenvolveram muito sob o lulismo.<BR><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Como
tem enxergado o atual governo nesta recente conjuntura? Seria exagerado pensar
que estamos diante de um vazio de poder, com uma presidente refém de sua base no
Congresso, especialmente do PMDB, afastada do PT e também sem o respaldo da base
popular do partido? <BR></STRONG></DIV>
<DIV align=justify>Ricardo Antunes: O momento é de dificuldade e mesmo de
relativa crise. Vale lembrar: duas ou três semanas antes de as rebeliões
começarem em São Paulo, Rio, Minas, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, o PT, na
comemoração de seu aniversário, festejava o “novo país”. Quando ocorrem essas
manifestações, multiformes, polissêmicas, em alguns casos policlassistas, o
governo é pego de modo completamente despreparado. Nos dias mais intensos de
crise, não tinha a menor idéia do que fazer. O despreparo era de tal ordem que,
depois dos levantes, as respostas foram propostas de plebiscito, para discutir
com a população se o voto era distrital ou não etc. Para ver a dimensão do
descompasso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O parlamento brasileiro, ao mesmo tempo, se assustou, mas
já se recompõe, seguindo seu curso à margem do que pensa a população. Em plena
era das revoltas, na questão de direitos humanos, o Congresso votou e encaminhou
o projeto, nefasto, popularmente chamado de “cura gay. Depois recuou. Podemos
lembrar ainda que, há cerca de 30 dias, o PMDB fez um banquete, com dinheiro
público, regado a camarão e champanhe, para avaliar a participação do partido no
primeiro semestre! Quer dizer, não é a tragédia, é a farsa.</DIV>
<DIV align=justify><BR>É evidente que essas manifestações atingiram duramente o
projeto de governo do PT e atingiram duramente o governo Dilma. A cada nova
pesquisa, a cada dia, a queda era ainda mais intensa. Claro que tal queda não é
obrigatoriamente irreversível. Pode ter reversão, como estamos vendo nas novas
pesquisas, porque nesse país a memória é rapidamente apagada, sem falar que há
uma carência enorme de alternativas. Mas, ao mesmo tempo em que as quedas podem
ser revertidas, podem ser até mesmo irreversíveis. Isto porque as manifestações
afetaram também a oposição tradicional. Ninguém pode dizer que o PSDB ou DEM
saíram beneficiados. O levante também é contra eles. As manifestações têm um
sentido anti-política tradicional, anti-partidos políticos, aflorando um
sentimento popular generalizado de que a “política não é o nosso campo” e “não é
o campo de ação das classes populares”. Entre aspas, claro. Isso cria o cenário
de incertezas.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O governo Dilma está, então, sendo puxado pelo
empresariado, que diz ao governo “vem para cá”. Está pressionado pelas bases
populares, solapando e mostrando que o projeto Lula-Dilma não tem,
substantivamente, nenhum elemento a ser comemorado. Mesmo o Lula, que
aparentemente perdeu menos, dentro dos quadros dominantes (excluindo a Marina),
precisa tomar cuidados. Lula perdeu menos, mas também ficou de 6 de junho até
meados de agosto, completamente mudo e calado e retornou à cena numa atividade
do ABC. Por quê? Porque percebeu que sobravam respingos, ou enxurradas, para
todos os lados, inclusive o dele. Ele voltou só depois de muitas semanas. E eis
que ressurge. Esperou as pesquisas apontarem uma queda brutal da Dilma e voltou.
Ele tem um nível de queda de popularidade inferior ao da Dilma, mas, assim como
a criatura herdou o cacife político do criador, o criador poderá herdar o
fracasso político da criatura.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Numa campanha eleitoral, como no ano que vem, de Copa do
Mundo, se o cenário da Copa das Confederações voltar, a campanha eleitoral vai
perguntar: “mas, afinal, quem trouxe para o Brasil a Copa das Confederações, a
Copa do Mundo, as Olimpíadas, dizendo que esse país caminhava para o paraíso,
quase uma Suíça tropical? Foi o Lula?”. Isso vai ter consequências. Quer pela
direita, quer pela esquerda, sendo muito diferente oposição de direita (pois uma
parte importante desta apóia o governo e é parte dele) e a oposição de esquerda,
que tem muitas dificuldades em buscar um novo caminho.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Ele vai levar chacoalhada de todo lado, numa eventual
campanha. Por ora, acho sua candidatura uma hipótese pouco plausível, mas, como
estamos ainda a um ano das eleições, só vamos ter um quadro mais preciso a esse
respeito quando estivermos mais perto da época da campanha eleitoral.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: E o que acha das
movimentações recentes de Lula, dando recados claros quanto à necessidade de
‘profunda reformulação’ no partido e até mesmo convocando grupos e movimentos
atrelados ao PT para saírem às ruas e ‘enfrentarem a direita’?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Sim, é claro. Mas o que podemos imaginar
do Lula pedindo uma retomada do PT quando ele é o dono, o chefe e o rei do PT?
Quando ele trata o partido como o seu partido? Ele disse várias vezes que só
seria candidato, nas eleições anteriores, se ele definisse com quem se aliar,
sem aceitar imposições.</DIV>
<DIV align=justify><BR>É evidente que o Lula tenta dar sinais. Ele é um político
da Ordem, mas muito qualificado. Vale lembrar que, lembrando Saramago e Thomas
Mann, ele é uma espécie de homem duplicado – literariamente falando. Ele é uma
espécie de camaleão político. Ele vai numa manifestação dos catadores de lixo,
chama um trabalhador de lado e lembra sua origem operária. Se vai ao encontro
dos banqueiros, dirá que eles ganharam dinheiro em seu governo como “nunca antes
na história deste país”.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, o Lula também sabe que a crise atingiu duramente o
PT. Se a crise do mensalão atingiu de forma devastadora a cúpula do PT, a crise
atual atinge duramente o projeto político do PT no poder. O que não significa
necessariamente (pois essa palavra não existe em política) que tal projeto será
revertido.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Se formos olhar os levantes e revoltas no cenário europeu
e do Oriente Médio, vemos diferenças relevantes. No Oriente Médio, na Tunísia,
Egito e Iraque, os governos foram varridos do poder, ainda que o Egito mostre
que eles são varridos e voltam de outras formas. Essas manifestações de massa
tiveram clara, direta e forte incidência política na substituição do poder. Por
isso foram verdadeiras revoluções democráticas, digamos assim, marcadas por um
sentido forte e radical. Se olharmos, entretanto, a Europa ocidental, com
exceção da Grécia, temos as rebeliões da periferia da Inglaterra, que se
esparramaram por várias cidades e pelo Reino Unido, o Occupy Wall Street, os
Indignados da Espanha, que foram manifestações de massa muito importantes, mas
não tiveram incidência direta nos processos eleitorais.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Em Portugal, Espanha, França e Inglaterra temos visto
eleitoralmente, quase repetidamente, um movimento pendular. Sai o conservador
tradicional, entra a oposição, que se tornou neoconservadora. Sai a oposição
neoconservadora, entram os conservadores tradicionais. Uma espécie de
bipartidarização, que é quase uma bipartidarização de um sistema,
provocativamente falando, de partido único. Porque são dois partidos que se
digladiam para aplicar, essencialmente, a mesma política. Excluindo, aqui, o
fato de que, de um lado, existe um verniz e, de outro lado, não existe. Mas por
baixo do verniz está a madeira bruta, a lenha, que é a mesma.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Desse modo, não podemos
esperar grandes novidades em 2014, eleitoralmente falando?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Que consequências as manifestações
populares terão no processo eleitoral brasileiro é difícil dizer. Olhando os
cenários eleitorais dos países ocidentais, poderíamos dizer que têm tido, no
geral, pouca incidência. É difícil que sejam gestadas – esse é o desafio, a
nossa dificuldade – novas lideranças populares. A Marina rompeu com o PT e
naturalmente ganha nesse quadro todo. Junto do governador de Pernambuco, Eduardo
Campos, ela é a única política que sai ganhando. Porque o Campos é, entre aspas,
um político aparentemente de “tipo novo”. É a idéia que quer vender. O
“discreto” charme do político do Nordeste. E a Marina ganha porque lidera um
movimento partidário que recusa o nome partido. Ela sabe que essa denominação
está desgastada, motivo pelo qual criou um partido que não tem o nome de
partido, além de ter saído em tensão com o governo Lula. Portanto, não é
associada diretamente ao seu governo, e sim à oposição, por ter rompido.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas olhando o nível de acordos, alianças e a programática
da Marina, temos o discurso verde dentro da Ordem. E a Ordem está sendo
duramente questionada nessas manifestações. Está sendo ainda mais agudamente
questionada nas periferias, nos movimentos dos assalariados urbanos e da
juventude estudantil mais organizada, que faz a crítica pela esquerda.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas também surgiu a crítica pela direita, conservadora,
presente em vários setores das camadas médias. Há uma tentativa de movimentos
proto-nazistas e mesmo fascistas, ainda que sejam pequenos. E, portanto, exercem
uma oposição claramente à direita. Lembramos da cena daquele jovem, filho de
empresário de transportes, quebrando a porta da prefeitura de São Paulo, dando a
idéia de jovem raivoso contra a prefeitura do PT. Esse é o quadro que temos. No
plano eleitoral, é difícil uma avaliação que não seja muito preliminar
mesmo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O grande esforço seria como avançar para que os setores
populares, presentes nas manifestações, canalizassem e buscassem um outro modo
de fazer política. E esse outro modo seria uma política radical. No sentido
profundo do termo, de tocar nas raízes, tocando profundamente nas questões
vitais, de modo a mostrar como o atual padrão de acumulação capitalista
existente no país é profundamente destrutivo para as forças populares. Daí que
vêm o abandono completo da vida nas cidades, o incentivo ao transporte privado e
a destruição do transporte coletivo, o incentivo à educação privada etc.,
etc.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Dois governos Lula e também um governo Dilma foram
mestres em diminuir tributos da indústria de automóveis, entupindo as cidades de
carros, enquanto as malhas de ônibus, trens e metros são precárias, frágeis e
mesmo inexistentes em várias cidades. Lembro de uma matéria publicada nestes
dias assinalando que só 0,6% das cidades brasileiras têm metrô: 0,6%! O único
transporte coletivo que funciona razoavelmente. E só existe em pouquíssimas
cidades.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>- Correio da Cidadania: O PT, por sua vez, tem
sido objeto de uma série de balanços históricos, com distintos vieses, após uma
década no poder central do país. Como você enxerga o partido hoje, ao que
parece, uma força descendente, mas ainda disputando o cenário político na
dianteira?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: O PT nasceu como partido com distensões.
Quem lembra do PT em 1980 e ao longo da década de 80 sabe. Um partido de muitas
tendências e grupamentos, que defendiam e aceitavam – não todos, mas muitos
setores – a liderança de Lula, que era um verdadeiro tertius... Comia o pau nos
congressos do partido, no final ele chegava e fazia aquela costura toda, como um
tertius político.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Agora, evidentemente, a esquerda foi bastante dizimada no
PT. Alguns setores de esquerda do partido aceitam o domínio lulista e não o
confrontam, salvo exceções. Claro que há ainda muitos setores populares filiados
ao PT, mas que não tem força na cúpula do PT, que se tornou um partido
tradicional. Respondendo à pergunta “é possível reinventar o PT?”: quando o Lula
propõe tal renovação, já é sinal de empreitada fadada ao insucesso. Se tem
alguém que expressa tipicamente a trajetória do PT é o Lula. Nasceu como
liderança autêntica, foi a mais importante liderança sindical do país, pouco a
pouco foi exercitando a figura do “homem duplicado”, até chegar ao político
tradicional, que convive em qualquer espaço: com o Bush e o Obama, com Fidel e
setores da esquerda latino-americana, com Aznar, com Uribe, com qualquer um. Sem
ser, propriamente, de nenhum desses setores. É o espetacular político da
conciliação.</DIV>
<DIV align=justify><BR>E o PT é isso. Nasceu como partido de massas,
independente e autônomo, com vontade de ser diferente. Pouco a pouco foi subindo
degraus do poder e da institucionalidade e converteu-se naquilo que Marx chamou,
no século 19, de “partido da ordem”. É uma espécie de PMDB do século 21. Cabe
tudo. E na sua concepção de governo todos entram, desde que tragam alguns votos,
seja no parlamento, seja no voto popular. Tem contatos com a igreja católica e
com os neopentecostais. Com os movimentos LGBT, mas se aproxima e quer apoio
também de religiosos homofóbicos. Com setores da classe trabalhadora e do
empresariado.<BR>Isso é o núcleo dominante do PT. Faço exceção a muitos
militantes de base do partido, que criaram o partido, lutaram por ele e ainda
vêem chance de mudá-lo. Eu também gostaria de ver essa possibilidade de mudança.
Mas como analista, não a vejo. O tempo dirá se tal análise faz sentido ou se
ainda é possível – como dizem alguns de seus militantes - o PT se reconverter,
reinventar-se num partido radical, de massas, anticapitalista e arraigado na
classe trabalhadora, tal como ele ensaiava profundamente quando de sua
concepção.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Como viu a ausência de
Dilma da recente reunião do PT, teria algum significado mais simbólico ou seria
um sinal de uma governante acuada? Como você imagina que caminhará o governo
Dilma daqui até o fim do mandato?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: A Dilma e o PT vivem um momento difícil.
E se o projeto de governo do PT no plano federal, assim como o projeto de
governo do PSDB no plano estadual ou o projeto de governo do PT na prefeitura de
SP, ou o projeto de governo estadual e municipal do PMDB no Rio de Janeiro,
todos, estão sendo colocados em xeque, a relação entre Dilma e PT tende a ficar
difícil. Porque o PT e alguns de seus núcleos têm uma carta-coringa na mão, que
é puxar o Lula, acreditando que tal carta seja forte ainda. Pode ser uma
carta-coringa meio surrada, uma carta-coringa tão manuseada e usada que o
coringa sumiu e ninguém identifica mais que carta é essa. Pode ser, mas podemos
fazer pequenas conjecturas, não mais que isso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O governo Dilma também vive um momento difícil. Ela em
tese teria a possibilidade de ser em alguma medida um escoadouro da voz das
ruas, mas isso implicaria em romper com o grande capital, financeiro,
industrial, do agronegócio, do setor de serviços e também das grandes
mineradoras, ou seja, toda a base que sustentou o projeto Lula-Dilma. Portanto,
não vejo a menor possibilidade dessa alternativa. Dilma seguirá sendo uma
feitora do grande capital, tentando equilibrar-se com apoio popular. Não será
nada fácil, até porque ela não é o Lula.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Restaria, então, ao seu governo, tentar recosturar uma
aliança policlassista, de grande fôlego, entre o capital e o trabalho, como o
governo Lula fez no segundo mandato, remunerando o grande capital como “nunca na
história do país”. E Lula tem razão quando fala, com eloquência, que nunca os
ricos ganharam dinheiro como em seu governo. Essa é a tragédia que com o Lula
vira vitória. Mas ele tem razão. Porque as classes burguesas ganharam muito e a
ponta mais pauperizada da classe trabalhadora brasileira – a periferia da
periferia, digamos assim, que depende do Bolsa-família – também vê o Lula como
alguém diferente dos anteriores. Essa mesma periferia da periferia, que recebe
Bolsa-família – hoje em torno de 70 milhões de pessoas, ou seja, muita gente –,
vai se encontrar, em 2014, numa campanha eleitoral em que, de um lado, tem a
Dilma e, de outro, o Aécio. Sabendo que a insensibilidade social tucana é
ilimitada, vai tapar o nariz e votar na Dilma. Do mesmo jeito que fez em 2006,
tapando o nariz e votando no Lula no meio da crise do mensalão, por saber que o
governo Alckmin seria uma tragédia social ainda pior.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, o governo Dilma não tem respostas para as lutas
populares – ensaiou, mas não as encontrou, porque não pode ter tais respostas.
Porque, ao seguir os clamores das manifestações populares, se ela for defender
transporte, saúde e educação públicos, vai ter que ferir os interesses das
grandes empresas de transporte, das grandes empresas dos pedágios
(transnacionais), dos grandes setores privatistas da saúde e da educação
privatizadas do Brasil, da indústria automobilística etc. Teria de enfrentar
ainda os interesses do capital financeiro, sem fazer concessão nenhuma. Sendo
que, naquela segunda-feira, na qual ela lançou 5 pontos primordiais, em forma de
pacto com a população, vimos, em primeiro lugar, o “superávit primário
preservado”. Ou seja, vamos garantir o dinheiro pra remunerar os bancos e todos
aqueles que ganham com o endividamento público.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Portanto, é evidente que entramos numa era de incertezas.
Mas, se numa época dessa, não se encontra alternativa de outro tipo, a incerteza
pode se prolongar. Por isso que as tendências críticas do governo Dilma são de
grande dimensão, o que não pode, por ora, significar que sejam irreversíveis no
sentido eleitoral. As eleições vão colocar um cenário já posto hoje. Mesmo que a
Marina pudesse batê-la, ou o Campos pudesse ser uma surpresa, é evidente que são
partes do mesmo. São mais do mesmo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O desafio de uma política distinta é encontrar
alternativas distintas contra o mesmo, contra a mesmice dominante. E nós ainda
não temos essa alternativa. Porque esses movimentos, a tomar pelo seu pólo mais
positivo (como o Passe Livre, Periferia Ativa, MTST e outros movimentos
populares), em todas as suas manifestações sobre questões muito concretas e
reais, não desembocaram e sinalizaram ainda uma alternativa política de outro
tipo, uma nova modalidade de política radical, extra-institucional,
profundamente contrária à atual. E esse é o desafio mais premente da luta social
e política no Brasil de nossos dias.
<HR>
<BR> <BR><BR><BR><BR> <BR> </FONT></DIV></BODY></HTML>