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<BODY background="" bgColor=#ffffff><FONT face=Arial><STRONG>
<DIV align=justify>
<HR>
</DIV>
<DIV align=center><FONT size=4><U>boletín solidario de información<BR></U><FONT 
color=#800000 size=5>Correspondencia de Prensa<BR></FONT><U>24 de agosto de 
2013<BR></U><FONT color=#800000 size=5>Colectivo Militante - Agenda 
Radical<BR></FONT>Montevideo - Uruguay<BR>Redacción y suscripciones: <FONT 
color=#0000ff>ger<U><A 
href="mailto:germain5@chasque.net">main5@chasque.net</A></U></FONT></FONT>
<HR>
</DIV></STRONG></FONT>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>Brasil</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>Entrevista a Ricardo 
Antunes</STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG>"Descontentamento monumental faz 
emergir era de rebeliões no Brasil"</STRONG></FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT>&nbsp;</DIV>
<DIV><FONT face=Arial><STRONG>"Enfraquecida, Dilma fica ainda mais refém do 
capital"<BR></STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><BR></DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG>Valéria Nader e Grabriel 
Brito<BR></STRONG><A 
href="http://www.correiocidadania.com.br/"><STRONG>http://www.correiocidadania.com.br/</STRONG></A></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial>&nbsp;<BR></FONT></DIV>
<DIV align=justify><STRONG><FONT size=2 face=Arial>Um dos grandes estudiosos do 
mundo do trabalho, o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes já havia 
dito, após o estouro da crise econômica internacional, quando eclodia a 
Primavera Árabe, que um novo tempo de ebulição social marcaria o início do 
século 21, a exemplo, porém não identicamente, do século 20. </FONT><FONT size=2 
face=Arial>Pois bem. O capitalismo financeirizado e globalizado continuou 
buscando suas fugas para frente e, de fato, vieram as novas eclosões sociais, em 
todos os cantos do mundo, chegando finalmente ao Brasil, sede dos próximos 
megaeventos esportivos.</FONT></STRONG></DIV>
<DIV align=justify>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG>-Correio da Cidadania: Como 
você sente o atual momento do país, após as grandes e intensas manifestações 
país afora no mês de junho? Qual o sentido e perspectivas para os quais apontam 
estas manifestações?</STRONG></FONT></DIV><FONT size=2 face=Arial>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: As manifestações que começaram em junho 
e continuam hoje tiveram uma cara multiforme. Elas têm motivações, modos e 
formas de ser diferentes. Começaram no dia 6 de junho com 2 mil pessoas, ligadas 
ao Movimento Passe Livre, depois foram se ampliando, até atingirem manifestações 
multitudinárias, com dezenas e centenas de milhares de pessoas, chegando, no 
momento de auge, a mais de 2 milhões de manifestantes no conjunto do país. 
Depois, entramos em julho, com manifestações mais localizadas. Mas quase todo 
dia ainda temos expressões das mobilizações de junho.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para mim, é preciso entender a causalidade desse 
movimento, passando por três ou quatro pontos que me parecem centrais. O 
primeiro é uma causalidade interna, motivada, digamos, pela percepção de que o 
projeto que vem se desenvolvendo no Brasil desde a década de 90 (com FHC, depois 
levemente alterado, mas não substantivamente, pelos governos Lula e Dilma), 
voltado ao desenvolvimento capitalista financeirizado e mundializado, 
sedimentado em privatizações, superávit primário e desregulamentação dos 
capitais, portanto, tendo os fluxos de capitais como modus operandi, causou, ou 
vem causando, profundo mal estar social.</DIV>
<DIV align=justify><BR>E podemos dizer que tal processo de desenvolvimento 
chegou à sua exaustão. A população não suporta mais o transporte privatizado, a 
saúde precarizada, degradada e também privatizada, o ensino público 
profundamente degradado e abandonado. À exceção das escolas da elite, privadas 
mas com mensalidades exorbitantes, somente para as classes dominantes e classes 
médias altas.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A população, portanto, chegou ao seu ponto de saturação e 
esgotamento, causados por essa mercadorização da res publica, a privatização 
tipicamente neoliberal. Vale lembrar que também na Inglaterra tivemos a mesma 
saturação, levando à queda Margaret Thatcher, com a explosão contra o aumento do 
imposto, o chamado pool tax. Ainda que os quadros brasileiro e inglês sejam 
bastante diferentes, chega uma hora que tal processo exaure o seu sentimento de 
aceitação na população. É por isso que faço aqui a referência ao exemplo inglês. 
Em alguma medida, as explosões de junho estampam o exaurimento da população com 
tanto descaso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Iniciamos uma fase de fim da letargia. Aconteceu e aí 
entra o segundo elemento, numa conjuntura muito específica: a explosão das 
manifestações foi marcada pela Copa das Confederações, quando a população 
percebeu que estádios de primeiro mundo o Brasil faz; enquanto isso, já no 
entorno dos estádios, a população é excluída. Todos vimos durante a “Copa das 
Rebeliões” que os pobres e negros não estavam presentes nos estádios. Estavam 
vendo os jogos nos estádios as classes médias e as camadas abastadas. Os que 
construíram o país nestas últimas duas décadas ficaram excluídos. Até mesmo do 
entorno do estádio, já que o comércio oficial da Copa expulsou a população que 
poderia explorá-lo, os camelôs, os ‘bicos’, aquele pequeno comércio que, para 
muitas pessoas, é a sobrevivência, a fim de se colocar somente aquilo que a FIFA 
impunha. A população percebeu que há uma simbiose complexa entre FIFA, 
interesses transnacionais e governo. E as prejudicadas, quem sofreu e vem 
sofrendo com tal processo, são as camadas populares. Isso fez com que houvesse, 
a cada jogo, uma ou muitas manifestações, muitas rebeliões, com muita 
conflagração, onde a população mostrava seu completo e cabal desconforto. Tudo 
fica evidente ao se ver que, ao menos desde que acompanho futebol, desde anos 
60, não houve comemoração do título. Após a vitória contra a Espanha, não houve 
festejo, pois a insatisfação popular estava no limite.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Isso coincidiu num terceiro e importante movimento, 
relacionado ao cenário internacional. Desde 2008 vemos que todas as 
manifestações de massa – começando da Tunísia e indo à praça Tahrir (Egito), à 
praça Taksim (Turquia), voltando à Tahrir, passando pela Grécia, Itália, 
Portugal, França, Reino Unido, EUA, com o Occupy Wall Street, e Espanha, com os 
Indignados – têm como traço comum a ocupação do espaço público, das ruas e 
praças. Tal ocupação significa que a população não suporta mais a atual forma 
degradada de institucionalidade, seja no caso dos países do Oriente Médio com 
suas ditaduras, seja no caso dos países do ocidente com seu modelo de 
“democracia burguesa” só para os ricos. Há também um fosso muito grande entre a 
vontade popular e os interesses do parlamento. No caso brasileiro, por exemplo, 
o Congresso Nacional certamente é a instituição mais rejeitada pelo país 
hoje.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No caso internacional, naturalmente há um efeito 
demonstrativo para o conjunto de cada país: da Tunísia para o Egito, de lá para 
o Iraque e a Síria; da Espanha para Portugal; da Grécia pra Itália; de lá para o 
Reino Unido; depois, do Reino Unido para os EUA com o Occupy. Isto é, esse 
cenário de manifestações populares contra a destruição da res publica, contra a 
lógica de uma acumulação financeira ilimitada, além de destruição social e 
pública também ilimitada, uma hora teve um limite.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Isso corrobora suas 
afirmações em entrevista concedida a nós em 2011, na qual afirmou que, assim 
como as placas tectônicas se mexeram no início do século 20, estávamos vivendo 
novos tempos de ebulição social, tão globalizada como o próprio 
capitalismo?<BR></STRONG></DIV>
<DIV align=justify>Ricardo Antunes: Sim, usando essa metáfora, as várias curvas 
que existiam em nosso país, de direções muito diferentes, se encontraram, todas 
elas, num ponto de intersecção representado inicialmente pelo 6 de junho, e esse 
ponto de intersecção gerou a ebulição. A percepção de projeto de governo de 
matriz ou neoliberal ou social-liberal começa a ruir.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Outro ponto: o mito da classe média mostrou-se muito mais 
mito que realidade. Vimos agora que os níveis de desemprego – ou, se quiserem, 
níveis de aumento de emprego – de algum modo começam a diminuir, sinalizando a 
diminuição dos ritmos de crescimento, que começam a chegar também aqui ao 
Brasil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Esse cenário todo é, para mim, a explicação de fundo do 
monumental descontentamento e desta era das rebeliões em que adentramos no 
Brasil a partir de junho. Entre junho e julho, as grandes manifestações de massa 
migraram para manifestações nas periferias, ou manifestações contra os pedágios 
ou para outras motivações, como as contrárias ao brutal desaparecimento de 
Amarildo, no estado do Rio, onde os governos estão marcados por níveis 
aviltantes de descuido da gestão pública.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Vimos outro caso nos últimos dias: todo o espaço 
preparado, com muita verba pública, para a visita do papa, no cenário onde ele 
poderia fazer seu “festival”, sua celebração, e que não foi usado, por causa da 
chuva e da lama. Quantos milhões foram gastos para preparar o espaço (que depois 
foi substituído pela praia de Copacabana)? Isso aflora, de novo, a destruição da 
res publica no Brasil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Tudo isto num contexto em que muitos estratos da classe 
trabalhadora estão endividados, porque consumiram e usaram seu cartão. O cartão 
é um fetichismo espetacularmente perigoso. Gasta-se dinheiro que não se paga com 
papel-dinheiro. E o não uso do papel-dinheiro, para muitas pessoas, leva a certo 
nível de abstração, do tipo “no cartão eu pago depois”. Mas, a cada dia não 
pago, se é lesado pelas altíssimas, explosivas e verdadeiramente saqueadoras 
taxas de juros dos cartões de crédito cobrados pelos bancos no Brasil. Esse é o 
cenário e o conjunto de questões sem os quais não dá pra entender o que se passa 
no país no momento.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: A reboque dessas 
manifestações, foi convocada a greve geral de 11 julho de 2013. Como avaliou a 
oportunidade dessa convocação, bem como os resultados dela advindos, em termos 
da participação de fato da classe trabalhadora e da juventude 
operária?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Aqui precisamos de um pouco de atenção 
na análise. As manifestações mais fortes que têm tido corpo no país nesse 
período recente são as de rua, puxadas pela juventude estudantil que trabalha ou 
pelo assalariado urbano que estuda, além de setores da periferia - e, por isso, 
diferentes da greve das universidades federais de 2012 ou das greves de Jirau e 
das obras do PAC, também grandes, e diferentemente ainda de 2012 no geral, 
marcado por muitas greves com reivindicações mais específicas e próprias da 
pauta sindical, salarial.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A greve de 11 de julho, então, precisa ser analisada com 
cuidado. Em primeiro lugar, a maioria das greves no Brasil, salvo exceções, não 
são momentos de grandes manifestações de massa nas ruas. Houve quatro grandes 
greves gerais no Brasil nos anos 1980 e não tivemos então grandes manifestações 
de massa nas ruas. Mas foram greves marcadas pela paralisação de setores 
importantes do país; bancos, indústria, setores do comércio etc.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Ainda não temos um levantamento cuidadoso de quais 
setores pararam no dia 11. Quais atividades foram mais ou menos afetadas? 
Sabemos, por exemplo, que foram importantes as paralisações de várias estradas e 
autopistas, portanto, dificultando o fluxo de mercadorias e pessoas. Precisamos 
saber o que se passou com a produção, bancos, comércio etc. Teremos análises 
mais profundas sobre a incidência dessa greve quando soubermos exatamente quais 
setores pararam ou não.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O segundo ponto é mais difícil. Das centrais sindicais 
que participaram, muitas são completamente atreladas aos projetos do governo e é 
difícil para a população entender como elas, que apóiam mais ou menos o governo 
(com a exceção clara da CONLUTAS e do movimento INTERSINDICAL), tornam-se, de 
repente, parte de um movimento de clara oposição a todos os governos.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: E como você analisa a 
entrada de tais centrais atreladas ao governo no embalo das mobilizações de rua? 
</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Essas manifestações de junho nasceram 
contra o sistema de governos existentes. Não foram manifestações especificamente 
contra a Dilma, ou contra o Alckmin, ou contra o Haddad, o Eduardo Paes, o 
Cabral. Mas foram, simultaneamente, contra todos. Contra o governo federal, 
contra os governos estaduais, contra os municipais, no caso do Rio até mais 
evidentemente. Depois, vimos as pesquisas mostrando o desmoronamento dos índices 
de aprovação de todos esses governos, de cima a baixo. E muitas das centrais 
sindicais estavam comprometidas com o projeto do governo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, como uma central comprometida com tais projetos 
vai pautar a rua? A CUT, por exemplo, acreditou piamente no mito de que o país 
estava mudando. Reproduziu o discurso lulista de que o país era de classe média, 
a classe trabalhadora estava feliz, tudo funcionava melhor... De repente, 
ficaram completamente aturdidos. É compreensível, portanto, que a maioria das 
centrais sindicais, por acreditarem no mito do país que dava certo, não podia 
ter grande sucesso no seu chamamento.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Desse modo, eu não gostaria de classificar a greve nem 
como vitória, nem como derrota. Ela tem de ser vista com um pouco mais de 
atenção. Os bancos funcionaram? O setor de transporte funcionou? As indústrias 
tiveram diminuição de suas atividades? Se o nível de paralisação em tais setores 
foi muito baixo, está configurada uma derrota</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>- Correio da Cidadania: E quanto às centrais 
independentes e de oposição, você diria que ficaram sem muito espaço pra 
operarem uma mobilização de sucesso?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: As centrais que sempre fizeram oposição 
ao governo, como a Conlutas e o movimento denominado Intersindical, além de 
outros setores que têm estado desde o início do governo Lula em clara oposição, 
para não falar do governo FHC, ainda têm uma força minoritária, mas têm um amplo 
espaço para avançar.</DIV>
<DIV align=justify><BR>As centrais que estão na órbita do governo tentaram 
mostrar o seu espaço, mas as manifestações que vemos não são manifestações 
lideradas pela institucionalidade, nem mesmo pela institucionalidade sindical. 
São manifestações de massa contra as formas burocratizadas e degradadas da 
institucionalidade.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, coloco um outro ponto, para encerrar a análise da 
greve: elas, em geral, não costumam convergir em grandes manifestações de rua, 
salvo quando tínhamos as greves do ABC, em tempos passados e históricos do país. 
No ABC, as manifestações iam às ruas para entrar no estádio, à época de Vila 
Euclides, depois 1º de Maio, a polícia impedia e sempre havia confronto. Mas, 
salvo momentos de crise profunda, as greves no Brasil não são marcadas por 
grandes manifestações de massa na rua. Salvo, repito, aquelas greves de caráter 
político muito aberto, como na época da ditadura ou em outras greves do pré-64, 
claramente políticas. Em geral, quando bem sucedidas, são marcadas por maior ou 
menor adesão dos trabalhadores ao chamamento de suas centrais. Se o índice de 
paralisação é alto, torna-se vitoriosa em grande medida. Baixa adesão significa 
o inverso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Como as centrais têm sido cooptadas, muitas delas pelo 
governo, burocratizadas e institucionalizadas, não é difícil concluir, com as 
exceções já citadas (e suas dificuldades por serem entidades de menor 
amplitude), que as paralisações de 11 de julho certamente não entraram no mesmo 
patamar, nem de longe, de força que tiveram as manifestações de junho, que 
atingiram dezenas e centenas de milhares de participantes em São Paulo e no 
conjunto do país, caracterizadas como grandes manifestações nas praças e espaços 
públicos.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Face a este contexto, onde 
a vitalidade das manifestações da juventude contrastou com uma greve geral 
esvaziada, o que pode ser diagnosticado quanto à atual estrutura sindical, com 
traços evidentes de corporativismo, economicismo e atrelamento ao 
Estado?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: O problema da estrutura sindical, 
formalmente atrelada ao Estado e burocratizada, deve ser adicionado a outro 
elemento central: o problema é das direções sindicais que aceitaram os 
chamamentos do governo lulista, aceitaram o caminho da servidão voluntária; 
lutaram e bateram palma para a extensão do imposto sindical às centrais, essa 
verdadeira aberração do sindicalismo, criado pela ditadura varguista, mas que 
gera muito dinheiro. Direções estas que acreditaram no projeto lulista.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O que vemos, na realidade, é que a cúpula das centrais, 
por problema de sua estrutura e, essencialmente, por suas concepções políticas, 
sindicais e ideológicas, altamente burocratizadas, submersas e atoladas no que 
já chamei de sindicalismo negocial de Estado, vive um momento difícil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Claro que o problema tem causas complexas: a classe 
trabalhadora se metamorfoseou. Há uma nova morfologia do trabalho, coisa que já 
expus bastante em meus trabalhos. Essa nova morfologia nos apresenta categorias 
novas, que não existiam anteriormente: os trabalhadores do telemarketing, de 
call center, caixas de supermercados, da indústria de fast-food, enfim, um novo 
proletariado do setor de serviços, não industrial. Desses setores, muitos estão 
à margem da representação sindical ou não aceitam a representação tradicional. 
Portanto, estamos num momento de redefinição da concepção de sindicato.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Mas qual tipo de 
redefinição na estrutura sindical você avalia como necessária e possível para os 
próximos anos?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Tenho dito há algum tempo que os 
sindicatos poderiam se inspirar mais nos movimentos sociais, ou seja, terem uma 
concepção mais horizontal, menos cupulista, menos burocratizada e mais afinada e 
sintonizada com as questões vitais que tocam seus representados. Quais são as 
questões vitais que vêm atingindo o cotidiano da classe trabalhadora brasileira: 
precarizados, precarizadas, terceirizados, terceirizadas, quarteirizados e 
quarteirizadas, e todos que estão inseridos na economia pautados por laços de 
informalidade?</DIV>
<DIV align=justify><BR>A classe trabalhadora hoje é tanto masculina quanto 
feminina, como sempre foi. Há setores como telemarketing e call center nos quais 
70% ou 80% de seu contingente é feminino; a classe trabalhadora hoje tem alguns 
de seus estratos (como os supermercados) marcados pela juventude; ela tem traços 
de gênero, geração e etnia. São todas questões que o sindicalismo precisa 
compreender. Não é estranho que uma categoria como o call center, cuja grande 
maioria é formada por mulheres, tenha as direções de seus sindicatos formadas 
por homens? E é só um traço, um exemplo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim como na virada do século 19 para o século 20, 
quando nós saímos de um sindicalismo de ofício para um sindicalismo de massa, na 
transição para o século 21 nós devemos sair de um sindicalismo que começou como 
de massa, tornou-se profundamente burocratizado, institucionalizado e 
verticalizado, para um sindicalismo mais horizontal, que seja efetivamente 
representativo do conjunto da classe trabalhadora que ele pretende representar. 
Esse é o desafio mais vital do sindicalismo de classe hoje.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Por fim, é preciso também resgatar o sentido de 
pertencimento de classe, que obriga os sindicatos a compreenderem a nova 
morfologia da classe. E avançar em sua dimensão autônoma, de base, significa 
abandonar o sindicalismo negocial de Estado, que tem sido dominante pelo menos 
nas cúpulas sindicais mais próximas ao governo -as quais, vale acrescentar, se 
desenvolveram muito sob o lulismo.<BR><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Como 
tem enxergado o atual governo nesta recente conjuntura? Seria exagerado pensar 
que estamos diante de um vazio de poder, com uma presidente refém de sua base no 
Congresso, especialmente do PMDB, afastada do PT e também sem o respaldo da base 
popular do partido? <BR></STRONG></DIV>
<DIV align=justify>Ricardo Antunes: O momento é de dificuldade e mesmo de 
relativa crise. Vale lembrar: duas ou três semanas antes de as rebeliões 
começarem em São Paulo, Rio, Minas, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, o PT, na 
comemoração de seu aniversário, festejava o “novo país”. Quando ocorrem essas 
manifestações, multiformes, polissêmicas, em alguns casos policlassistas, o 
governo é pego de modo completamente despreparado. Nos dias mais intensos de 
crise, não tinha a menor idéia do que fazer. O despreparo era de tal ordem que, 
depois dos levantes, as respostas foram propostas de plebiscito, para discutir 
com a população se o voto era distrital ou não etc. Para ver a dimensão do 
descompasso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O parlamento brasileiro, ao mesmo tempo, se assustou, mas 
já se recompõe, seguindo seu curso à margem do que pensa a população. Em plena 
era das revoltas, na questão de direitos humanos, o Congresso votou e encaminhou 
o projeto, nefasto, popularmente chamado de “cura gay. Depois recuou. Podemos 
lembrar ainda que, há cerca de 30 dias, o PMDB fez um banquete, com dinheiro 
público, regado a camarão e champanhe, para avaliar a participação do partido no 
primeiro semestre! Quer dizer, não é a tragédia, é a farsa.</DIV>
<DIV align=justify><BR>É evidente que essas manifestações atingiram duramente o 
projeto de governo do PT e atingiram duramente o governo Dilma. A cada nova 
pesquisa, a cada dia, a queda era ainda mais intensa. Claro que tal queda não é 
obrigatoriamente irreversível. Pode ter reversão, como estamos vendo nas novas 
pesquisas, porque nesse país a memória é rapidamente apagada, sem falar que há 
uma carência enorme de alternativas. Mas, ao mesmo tempo em que as quedas podem 
ser revertidas, podem ser até mesmo irreversíveis. Isto porque as manifestações 
afetaram também a oposição tradicional. Ninguém pode dizer que o PSDB ou DEM 
saíram beneficiados. O levante também é contra eles. As manifestações têm um 
sentido anti-política tradicional, anti-partidos políticos, aflorando um 
sentimento popular generalizado de que a “política não é o nosso campo” e “não é 
o campo de ação das classes populares”. Entre aspas, claro. Isso cria o cenário 
de incertezas.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O governo Dilma está, então, sendo puxado pelo 
empresariado, que diz ao governo “vem para cá”. Está pressionado pelas bases 
populares, solapando e mostrando que o projeto Lula-Dilma não tem, 
substantivamente, nenhum elemento a ser comemorado. Mesmo o Lula, que 
aparentemente perdeu menos, dentro dos quadros dominantes (excluindo a Marina), 
precisa tomar cuidados. Lula perdeu menos, mas também ficou de 6 de junho até 
meados de agosto, completamente mudo e calado e retornou à cena numa atividade 
do ABC. Por quê? Porque percebeu que sobravam respingos, ou enxurradas, para 
todos os lados, inclusive o dele. Ele voltou só depois de muitas semanas. E eis 
que ressurge. Esperou as pesquisas apontarem uma queda brutal da Dilma e voltou. 
Ele tem um nível de queda de popularidade inferior ao da Dilma, mas, assim como 
a criatura herdou o cacife político do criador, o criador poderá herdar o 
fracasso político da criatura.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Numa campanha eleitoral, como no ano que vem, de Copa do 
Mundo, se o cenário da Copa das Confederações voltar, a campanha eleitoral vai 
perguntar: “mas, afinal, quem trouxe para o Brasil a Copa das Confederações, a 
Copa do Mundo, as Olimpíadas, dizendo que esse país caminhava para o paraíso, 
quase uma Suíça tropical? Foi o Lula?”. Isso vai ter consequências. Quer pela 
direita, quer pela esquerda, sendo muito diferente oposição de direita (pois uma 
parte importante desta apóia o governo e é parte dele) e a oposição de esquerda, 
que tem muitas dificuldades em buscar um novo caminho.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Ele vai levar chacoalhada de todo lado, numa eventual 
campanha. Por ora, acho sua candidatura uma hipótese pouco plausível, mas, como 
estamos ainda a um ano das eleições, só vamos ter um quadro mais preciso a esse 
respeito quando estivermos mais perto da época da campanha eleitoral.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: E o que acha das 
movimentações recentes de Lula, dando recados claros quanto à necessidade de 
‘profunda reformulação’ no partido e até mesmo convocando grupos e movimentos 
atrelados ao PT para saírem às ruas e ‘enfrentarem a direita’?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Sim, é claro. Mas o que podemos imaginar 
do Lula pedindo uma retomada do PT quando ele é o dono, o chefe e o rei do PT? 
Quando ele trata o partido como o seu partido? Ele disse várias vezes que só 
seria candidato, nas eleições anteriores, se ele definisse com quem se aliar, 
sem aceitar imposições.</DIV>
<DIV align=justify><BR>É evidente que o Lula tenta dar sinais. Ele é um político 
da Ordem, mas muito qualificado. Vale lembrar que, lembrando Saramago e Thomas 
Mann, ele é uma espécie de homem duplicado – literariamente falando. Ele é uma 
espécie de camaleão político. Ele vai numa manifestação dos catadores de lixo, 
chama um trabalhador de lado e lembra sua origem operária. Se vai ao encontro 
dos banqueiros, dirá que eles ganharam dinheiro em seu governo como “nunca antes 
na história deste país”.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, o Lula também sabe que a crise atingiu duramente o 
PT. Se a crise do mensalão atingiu de forma devastadora a cúpula do PT, a crise 
atual atinge duramente o projeto político do PT no poder. O que não significa 
necessariamente (pois essa palavra não existe em política) que tal projeto será 
revertido.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Se formos olhar os levantes e revoltas no cenário europeu 
e do Oriente Médio, vemos diferenças relevantes. No Oriente Médio, na Tunísia, 
Egito e Iraque, os governos foram varridos do poder, ainda que o Egito mostre 
que eles são varridos e voltam de outras formas. Essas manifestações de massa 
tiveram clara, direta e forte incidência política na substituição do poder. Por 
isso foram verdadeiras revoluções democráticas, digamos assim, marcadas por um 
sentido forte e radical. Se olharmos, entretanto, a Europa ocidental, com 
exceção da Grécia, temos as rebeliões da periferia da Inglaterra, que se 
esparramaram por várias cidades e pelo Reino Unido, o Occupy Wall Street, os 
Indignados da Espanha, que foram manifestações de massa muito importantes, mas 
não tiveram incidência direta nos processos eleitorais.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Em Portugal, Espanha, França e Inglaterra temos visto 
eleitoralmente, quase repetidamente, um movimento pendular. Sai o conservador 
tradicional, entra a oposição, que se tornou neoconservadora. Sai a oposição 
neoconservadora, entram os conservadores tradicionais. Uma espécie de 
bipartidarização, que é quase uma bipartidarização de um sistema, 
provocativamente falando, de partido único. Porque são dois partidos que se 
digladiam para aplicar, essencialmente, a mesma política. Excluindo, aqui, o 
fato de que, de um lado, existe um verniz e, de outro lado, não existe. Mas por 
baixo do verniz está a madeira bruta, a lenha, que é a mesma.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Desse modo, não podemos 
esperar grandes novidades em 2014, eleitoralmente falando?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: Que consequências as manifestações 
populares terão no processo eleitoral brasileiro é difícil dizer. Olhando os 
cenários eleitorais dos países ocidentais, poderíamos dizer que têm tido, no 
geral, pouca incidência. É difícil que sejam gestadas – esse é o desafio, a 
nossa dificuldade – novas lideranças populares. A Marina rompeu com o PT e 
naturalmente ganha nesse quadro todo. Junto do governador de Pernambuco, Eduardo 
Campos, ela é a única política que sai ganhando. Porque o Campos é, entre aspas, 
um político aparentemente de “tipo novo”. É a idéia que quer vender. O 
“discreto” charme do político do Nordeste. E a Marina ganha porque lidera um 
movimento partidário que recusa o nome partido. Ela sabe que essa denominação 
está desgastada, motivo pelo qual criou um partido que não tem o nome de 
partido, além de ter saído em tensão com o governo Lula. Portanto, não é 
associada diretamente ao seu governo, e sim à oposição, por ter rompido.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas olhando o nível de acordos, alianças e a programática 
da Marina, temos o discurso verde dentro da Ordem. E a Ordem está sendo 
duramente questionada nessas manifestações. Está sendo ainda mais agudamente 
questionada nas periferias, nos movimentos dos assalariados urbanos e da 
juventude estudantil mais organizada, que faz a crítica pela esquerda.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas também surgiu a crítica pela direita, conservadora, 
presente em vários setores das camadas médias. Há uma tentativa de movimentos 
proto-nazistas e mesmo fascistas, ainda que sejam pequenos. E, portanto, exercem 
uma oposição claramente à direita. Lembramos da cena daquele jovem, filho de 
empresário de transportes, quebrando a porta da prefeitura de São Paulo, dando a 
idéia de jovem raivoso contra a prefeitura do PT. Esse é o quadro que temos. No 
plano eleitoral, é difícil uma avaliação que não seja muito preliminar 
mesmo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O grande esforço seria como avançar para que os setores 
populares, presentes nas manifestações, canalizassem e buscassem um outro modo 
de fazer política. E esse outro modo seria uma política radical. No sentido 
profundo do termo, de tocar nas raízes, tocando profundamente nas questões 
vitais, de modo a mostrar como o atual padrão de acumulação capitalista 
existente no país é profundamente destrutivo para as forças populares. Daí que 
vêm o abandono completo da vida nas cidades, o incentivo ao transporte privado e 
a destruição do transporte coletivo, o incentivo à educação privada etc., 
etc.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Dois governos Lula e também um governo Dilma foram 
mestres em diminuir tributos da indústria de automóveis, entupindo as cidades de 
carros, enquanto as malhas de ônibus, trens e metros são precárias, frágeis e 
mesmo inexistentes em várias cidades. Lembro de uma matéria publicada nestes 
dias assinalando que só 0,6% das cidades brasileiras têm metrô: 0,6%! O único 
transporte coletivo que funciona razoavelmente. E só existe em pouquíssimas 
cidades.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>- Correio da Cidadania: O PT, por sua vez, tem 
sido objeto de uma série de balanços históricos, com distintos vieses, após uma 
década no poder central do país. Como você enxerga o partido hoje, ao que 
parece, uma força descendente, mas ainda disputando o cenário político na 
dianteira?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: O PT nasceu como partido com distensões. 
Quem lembra do PT em 1980 e ao longo da década de 80 sabe. Um partido de muitas 
tendências e grupamentos, que defendiam e aceitavam – não todos, mas muitos 
setores – a liderança de Lula, que era um verdadeiro tertius... Comia o pau nos 
congressos do partido, no final ele chegava e fazia aquela costura toda, como um 
tertius político.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Agora, evidentemente, a esquerda foi bastante dizimada no 
PT. Alguns setores de esquerda do partido aceitam o domínio lulista e não o 
confrontam, salvo exceções. Claro que há ainda muitos setores populares filiados 
ao PT, mas que não tem força na cúpula do PT, que se tornou um partido 
tradicional. Respondendo à pergunta “é possível reinventar o PT?”: quando o Lula 
propõe tal renovação, já é sinal de empreitada fadada ao insucesso. Se tem 
alguém que expressa tipicamente a trajetória do PT é o Lula. Nasceu como 
liderança autêntica, foi a mais importante liderança sindical do país, pouco a 
pouco foi exercitando a figura do “homem duplicado”, até chegar ao político 
tradicional, que convive em qualquer espaço: com o Bush e o Obama, com Fidel e 
setores da esquerda latino-americana, com Aznar, com Uribe, com qualquer um. Sem 
ser, propriamente, de nenhum desses setores. É o espetacular político da 
conciliação.</DIV>
<DIV align=justify><BR>E o PT é isso. Nasceu como partido de massas, 
independente e autônomo, com vontade de ser diferente. Pouco a pouco foi subindo 
degraus do poder e da institucionalidade e converteu-se naquilo que Marx chamou, 
no século 19, de “partido da ordem”. É uma espécie de PMDB do século 21. Cabe 
tudo. E na sua concepção de governo todos entram, desde que tragam alguns votos, 
seja no parlamento, seja no voto popular. Tem contatos com a igreja católica e 
com os neopentecostais. Com os movimentos LGBT, mas se aproxima e quer apoio 
também de religiosos homofóbicos. Com setores da classe trabalhadora e do 
empresariado.<BR>Isso é o núcleo dominante do PT. Faço exceção a muitos 
militantes de base do partido, que criaram o partido, lutaram por ele e ainda 
vêem chance de mudá-lo. Eu também gostaria de ver essa possibilidade de mudança. 
Mas como analista, não a vejo. O tempo dirá se tal análise faz sentido ou se 
ainda é possível – como dizem alguns de seus militantes - o PT se reconverter, 
reinventar-se num partido radical, de massas, anticapitalista e arraigado na 
classe trabalhadora, tal como ele ensaiava profundamente quando de sua 
concepção.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>-Correio da Cidadania: Como viu a ausência de 
Dilma da recente reunião do PT, teria algum significado mais simbólico ou seria 
um sinal de uma governante acuada? Como você imagina que caminhará o governo 
Dilma daqui até o fim do mandato?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Ricardo Antunes: A Dilma e o PT vivem um momento difícil. 
E se o projeto de governo do PT no plano federal, assim como o projeto de 
governo do PSDB no plano estadual ou o projeto de governo do PT na prefeitura de 
SP, ou o projeto de governo estadual e municipal do PMDB no Rio de Janeiro, 
todos, estão sendo colocados em xeque, a relação entre Dilma e PT tende a ficar 
difícil. Porque o PT e alguns de seus núcleos têm uma carta-coringa na mão, que 
é puxar o Lula, acreditando que tal carta seja forte ainda. Pode ser uma 
carta-coringa meio surrada, uma carta-coringa tão manuseada e usada que o 
coringa sumiu e ninguém identifica mais que carta é essa. Pode ser, mas podemos 
fazer pequenas conjecturas, não mais que isso.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O governo Dilma também vive um momento difícil. Ela em 
tese teria a possibilidade de ser em alguma medida um escoadouro da voz das 
ruas, mas isso implicaria em romper com o grande capital, financeiro, 
industrial, do agronegócio, do setor de serviços e também das grandes 
mineradoras, ou seja, toda a base que sustentou o projeto Lula-Dilma. Portanto, 
não vejo a menor possibilidade dessa alternativa. Dilma seguirá sendo uma 
feitora do grande capital, tentando equilibrar-se com apoio popular. Não será 
nada fácil, até porque ela não é o Lula.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Restaria, então, ao seu governo, tentar recosturar uma 
aliança policlassista, de grande fôlego, entre o capital e o trabalho, como o 
governo Lula fez no segundo mandato, remunerando o grande capital como “nunca na 
história do país”. E Lula tem razão quando fala, com eloquência, que nunca os 
ricos ganharam dinheiro como em seu governo. Essa é a tragédia que com o Lula 
vira vitória. Mas ele tem razão. Porque as classes burguesas ganharam muito e a 
ponta mais pauperizada da classe trabalhadora brasileira – a periferia da 
periferia, digamos assim, que depende do Bolsa-família – também vê o Lula como 
alguém diferente dos anteriores. Essa mesma periferia da periferia, que recebe 
Bolsa-família – hoje em torno de 70 milhões de pessoas, ou seja, muita gente –, 
vai se encontrar, em 2014, numa campanha eleitoral em que, de um lado, tem a 
Dilma e, de outro, o Aécio. Sabendo que a insensibilidade social tucana é 
ilimitada, vai tapar o nariz e votar na Dilma. Do mesmo jeito que fez em 2006, 
tapando o nariz e votando no Lula no meio da crise do mensalão, por saber que o 
governo Alckmin seria uma tragédia social ainda pior.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Assim, o governo Dilma não tem respostas para as lutas 
populares – ensaiou, mas não as encontrou, porque não pode ter tais respostas. 
Porque, ao seguir os clamores das manifestações populares, se ela for defender 
transporte, saúde e educação públicos, vai ter que ferir os interesses das 
grandes empresas de transporte, das grandes empresas dos pedágios 
(transnacionais), dos grandes setores privatistas da saúde e da educação 
privatizadas do Brasil, da indústria automobilística etc. Teria de enfrentar 
ainda os interesses do capital financeiro, sem fazer concessão nenhuma. Sendo 
que, naquela segunda-feira, na qual ela lançou 5 pontos primordiais, em forma de 
pacto com a população, vimos, em primeiro lugar, o “superávit primário 
preservado”. Ou seja, vamos garantir o dinheiro pra remunerar os bancos e todos 
aqueles que ganham com o endividamento público.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Portanto, é evidente que entramos numa era de incertezas. 
Mas, se numa época dessa, não se encontra alternativa de outro tipo, a incerteza 
pode se prolongar. Por isso que as tendências críticas do governo Dilma são de 
grande dimensão, o que não pode, por ora, significar que sejam irreversíveis no 
sentido eleitoral. As eleições vão colocar um cenário já posto hoje. Mesmo que a 
Marina pudesse batê-la, ou o Campos pudesse ser uma surpresa, é evidente que são 
partes do mesmo. São mais do mesmo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O desafio de uma política distinta é encontrar 
alternativas distintas contra o mesmo, contra a mesmice dominante. E nós ainda 
não temos essa alternativa. Porque esses movimentos, a tomar pelo seu pólo mais 
positivo (como o Passe Livre, Periferia Ativa, MTST e outros movimentos 
populares), em todas as suas manifestações sobre questões muito concretas e 
reais, não desembocaram e sinalizaram ainda uma alternativa política de outro 
tipo, uma nova modalidade de política radical, extra-institucional, 
profundamente contrária à atual. E esse é o desafio mais premente da luta social 
e política no Brasil de nossos dias.
<HR>
<BR>&nbsp;<BR><BR><BR><BR>&nbsp;<BR>&nbsp;</FONT></DIV></BODY></HTML>