<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN">
<HTML><HEAD>
<META content=text/html;charset=iso-8859-1 http-equiv=Content-Type>
<META name=GENERATOR content="MSHTML 8.00.7600.16385"></HEAD>
<BODY style="PADDING-LEFT: 10px; PADDING-RIGHT: 10px; PADDING-TOP: 15px"
id=MailContainerBody leftMargin=0 topMargin=0 CanvasTabStop="true"
name="Compose message area"><FONT size=2>
<DIV align=justify><FONT face=Arial>
<HR>
</FONT></DIV>
<DIV align=center><FONT size=4 face=Arial><STRONG><U>boletín solidario de
información</U><BR><FONT color=#800000 size=5>Correspondencia de
Prensa</FONT><BR><U>20 de setiembre 2013</U><BR><FONT color=#800000
size=5>Colectivo Militante - Agenda Radical<BR></FONT>Montevideo -
Uruguay<BR>redacción y suscripciones: <A
title="mailto:germain5@chasque.net CTRL + clic para seguir el vínculo"
href="mailto:germain5@chasque.net">germain5@chasque.net</A></STRONG></FONT><A
title="mailto:germain5@chasque.net CTRL + clic para seguir el vínculo"
href="mailto:germain5@chasque.net"><FONT
title="mailto:germain5@chasque.net CTRL + clic para seguir el vínculo"
size=4 face=Arial><STRONG
title="mailto:germain5@chasque.net CTRL + clic para seguir el vínculo"></STRONG></FONT></A></DIV><FONT
face=Arial>
<DIV align=justify>
<HR>
</DIV></FONT>
<DIV align=justify><FONT face=Arial></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><STRONG><FONT size=3
face=Arial>Brasil<BR></FONT></STRONG></DIV></FONT>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT> </DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG><FONT size=3>A esquerda
líquida e a jornadas de junho: razoes da
crise</FONT></STRONG><BR><BR><STRONG></STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG>Demian Melo<BR>Revista
Habanero, Río de Janeiro<BR><A
title="http://www.revistahabanero.org/ CTRL + clic para seguir el vínculo"
href="http://www.revistahabanero.org/">http://www.revistahabanero.org/</A></STRONG><BR></DIV></FONT><FONT
size=2 face=Arial>
<DIV align=justify><BR>Nenhuma crise cíclica do capitalismo pode ser tomada como
causa de uma onda de rebeliões ou revoluções sociais, quase como se houvesse uma
sincronia no processo histórico entre as flutuações da economia e a luta de
classes. Marx aprendeu, com a experiência da primeira crise global capitalista,
ocorrida em 1857-1858, que nem sempre este momento do modo de ser da
sociabilidade do valor coincide com algum tipo de convulsão social (BENSAÏD,
1995: 84). Esperando ansiosos que uma nova crise de superprodução desempenhasse
a função de desencadear uma nova onda de revoluções, tal como havia ocorrido em
1848, ele e Engels perderam as esperanças ao perceberem que, pelo contrário, a
crise havia contraditoriamente contribuído para a "monopólio mundial do
capitalismo britânico" (HOBSBAWM, 1982: 104).</FONT></DIV><FONT size=2
face=Arial>
<DIV align=justify><BR>Todavia não seria de todo esquemático tomar o início da
crise capitalista de 2008 como de abertura de uma nova situação internacional. O
que aconteceu até agora? Neste ano de 2013, a OIT revelou que até 2015 o número
do desemprego global pode chegar a 208 milhões de pessoas. Em suma, a tragédia
social criada pela lógica incontrolável do capital é bem maior que esse número,
já que nunca devem ser desconsideradas as evidentes sub-notificações comuns
encontradas a esse tipo de projeção, que não pode considerar aqueles que
desistiram de procurar emprego, ou aqueles que estão em empregos extremamente
precários.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No outro lado da fronteira de classe, cerca de trinta
trilhões de dólares foram transferidos das receitas públicas dos Estados para
salvar empresas em dificuldades, enquanto os cidadãos comuns perderam e estão
perdendo seus empregos e suas casas. Recentemente, o Government Accountability
Office (um instituto do congresso dos EUA) descobriu que desde o início da crise
só o Tesouro norte-americano entregou 16 trilhões de dólares em empréstimos
secretos às grandes empresas e instituições financeiras, tanto dos EUA quanto
também estrangeiras (UNITED STATES GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE, 2011). A
alegação dos Estados era que tais medidas seriam necessárias para injetar
capacidade de investimento nas empresas, que voltariam a produzir, gerando
demanda, produzindo novos empregos etc. Em suma, a idéia era ativar a ação
anti-cíclica do Estado para a retomada do crescimento econômico. Só que isto não
só não funcionou, como acabou por gerar a atual fase da crise, cuja metástase
vem se espalhando pelo globo. Afinal, qual seria o resultado desta farra senão o
aumento exponencial das já gigantescas dívidas públicas?</DIV>
<DIV align=justify><BR>O que se tem agora é uma imensa montanha de dívidas
públicas impagáveis, cujos dados são alarmantes. A dívida federal do governo dos
EUA passou de 9,2 trilhões de dólares em 2007 para 14,5 trilhões em 2011, o que
corresponde a 100% do PIB. A dívida alcança nos países europeus 63% do PIB da
Espanha, 76,5% na Inglaterra, 81,7% na França, 93% em Portugal, 114% da Irlanda,
120% da Itália e 152% do Grécia. Além disso, vemos agora ações no sentido de
aumentar, ainda mais, a capacidade de endividamento dos Estados, como nos EUA.
Isso tudo formou uma imensa bolha, ou como Marx chamou no livro III do Capital,
uma montanha de "capital fictício".1</DIV>
<DIV align=justify><BR>Além dessa dinâmica da crise, o aumento exponencial do
protesto social, de greves gerais européias (como a de 14 de novembro de 2012,
que ocorreu em vários países ao mesmo tempo), às insurreições de caráter diverso
que tomaram conta do Norte da África desde a queda de Mubarak em 2011, as lutas
sociais voltaram à cena em diversas latitudes. E quem diria que no país que até
então parecia um exemplo de estabilidade na América Latina, uma onda de
manifestações fosse tomar conta das suas principais cidades desde junho de
2013?</DIV>
<DIV align=justify><BR>O propósito deste artigo é contribuir com alguns
apontamentos sobre o caráter dessas manifestações chamadas genericamente de
Jornadas de Junho, pensando nos desafios colocados para a esquerda socialista
brasileira, que há muito vinha conspirando pelo desabrochar da Primavera.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>O Brasil na onda do protesto
global?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>A entrada em cena do Brasil no cenário do protesto
global, como não poderia deixar de ser, possui enormes particularidades. Em
primeiro lugar, a crise internacional parece estar prejudicando mais fortemente
o balanço de pagamentos, e a desaceleração econômica parece ter chegado de vez.
Tomara que não, afinal, como ensinou Marx, nas crises são os trabalhadores os
maiores penalizados. O próprio ciclo de greves que antecedeu esse período de
protestos de rua, como na construção civil em obras do Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC), ou mesmo a heróica greve dos bombeiros no Rio de Janeiro em
2011, ocorreram quando as condições da economia não eram das piores, ainda que
não fosse a excepcionalidade de um crescimento do PIB na ordem de 7,5%, como em
2010.</DIV>
<DIV align=justify><BR>De qualquer modo, alguns dados são bem preocupantes. Em
2011 a dívida pública consumiu 45% do orçamento da União, enquanto que em 2012
essa taxa foi de 42%, chegando à marca dos 2 trilhões de dólares. Nesse ano de
2013 o índice tende a permanecer nesse patamar, o que implica numa brutal
transferência de recursos socialmente produzidos e centralizados no Estado para
o bolso dos portadores dos títulos da dívida pública brasileiro, o grande
capital. Enquanto isso, em meio a um cenário turbulento, a equipe econômica do
governo efetuou um corte de 10 bilhões de reais, enquanto as ruas pedem mais
educação, saúde e transportes "padrão Fifa", ou seja, mais recursos públicos
nessas áreas.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas é bobagem querer atribuir o estopim do
descontentamento popular ao relativo aumento do custo de vida, como o
presenciado neste ano de 2013, apesar deste elemento poder ser tomado como um
entre outros que se combinou na criação deste cenário.</DIV>
<DIV align=justify><BR>As razões do descontentamento devem ser buscadas em
determinações que se inscrevem no longo, médio e curto prazo. No longo prazo é
fundamental atentar para a estrutura social desigual que, não obstante tenha
sofrido alterações na última década, ainda faz do Brasil um dos países mais
desiguais do mundo. Nessa mesma temporalidade, cabe lembrar que protestos
urbanos desencadeados em torno à pauta da precariedade do transporte público não
constitui algo inédito. Como bem apontou o Movimento Passe Livre de São Paulo,
um dos protagonistas dessas jornadas,</DIV>
<DIV align=justify><BR>"Como um fantasma que ronda as cidades deixando marcas
vivas no espaço e na memória, as revoltas populares em torno do transporte
coletivo assalta a história das metrópoles brasileiras desde sua formação. Os
bondes virados, os trens apedrejados, os ônibus incendiados, os catracações, os
muros 'pixados' com as vozes das ruas, as barricadas erguidas contra os
sucessivos aumentos das passagens são expressão da digna raiva contra um sistema
completamente entregue à lógica da mercadoria." (MOVIMENTO PASSE LIVRE DE SÃO
PAULO, 2013)<BR> <BR>No tempo médio, a forma de desenvolvimento encaminhada
no país, seguindo uma tendência global, torna o próprio território das cidades
um suporte para o processo de valorização do capital. Projetos megalomaníacos
voltados para o turismo têm sido uma realidade desde os anos 1970 em várias
cidades do mundo. Projetos como o "Porto Maravilha" na região portuária do Rio
de Janeiro, por exemplo, encontram exemplos similares em cidades como Buenos
Aires, Barcelona, Baltimore entre outras, onde o Estado expulsa populações
pobres que habitavam regiões até então abandonadas pelos poderes públicos e os
interesses do capital privado. Ao mesmo tempo, a especulação imobiliária que se
desenvolve a partir desta lógica de expansão do capital constitui outro fator
que tem levado ao aumento significativo do custo de vida, do mal-estar e da
inquietação social no Brasil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Localizados também numa longa duração, movimentos
populares em torno do direito à moradia só se intensificaram nos últimos anos,
engendrando experiências notáveis de resistência popular, como no episódio da
comunidade do Pinheirinho em São José dos Campos, impulsionada pela esquerda
socialista (notadamente o PSTU) e que se tornou uma referência nacional de
resistência popular. Não tendo sido o primeiro, mas certamente assumindo uma
posição de destaque face à brutalidade com que a violência estatal (no interesse
do grande capital) expulsou (pedagogicamente) seus habitantes - procedimento
onde não faltaram impulsos eugênicos, como a distribuição de passagens de ônibus
para "qualquer lugar do Nordeste" -, muitos "Pinheirinhos" têm proliferado nos
problemáticos espaços urbanos brasileiros.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Além disso, o projeto de controle policial do território
(e, por conseqüência da vida social) tem dado passos consideráveis,
especialmente no Rio de Janeiro a partir do primeiro governo Sérgio Cabral
(2007), através de ações como a instalação das Unidades de Polícia
Pacificadoras, as UPPs (Cf. BRITO & ROCHA, 2013). Não é um projeto para
todas as favelas, como já se repetiu ad nauseum, mas para algumas favelas que
circundam áreas de interesse do mercado, como aquelas onde existem equipamentos
esportivos que se destinarão a Copa e a Olimpíada, além das localizadas na Zona
Sul carioca. O índice de violência policial ainda é agravado pelo controle
paramilitar que é exercido pelas chamadas "milícias" principalmente (mas não só)
na Zona Oeste do Rio.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No curto prazo, podemos tomar algumas elaborações do
sociólogo Ruy Braga, de que, em primeiro lugar, não existe um só grande impulso
imediato desse processo de mobilizações, e na verdade ele responde a várias
fontes de insatisfações. Em primeiro lugar a questão do trabalho. A despeito de
ter havido um progresso na renda e na formalização nos últimos 10 anos, existem
hoje condições muito duras de trabalho, que podem ser medidas pelo aumento do
número de acidentes de trabalho; salários muito baixos - afinal 94% do emprego
formal criado nos últimos 10 ano pagam até 1,5 salário mínimo, ou seja, em torno
de R$ 1.000, 00 (mil reais) -, concentrado no setor de serviços, com alta taxa
de rotatividade. Isso tende a aglutinar uma série de insatisfações que se
combinam às condições de vida nas cidades. Como já aludimos acima, as cidades
foram sendo privatizadas ao longo dos últimos 20 anos, e parte significativa da
população não se sente representada no seu modo de vida, morando em periferias
muito distantes, onde o transporte público é extremamente precário, constituindo
um dos grandes problemas das grandes metrópoles (BRAGA, 2013).</DIV>
<DIV align=justify><BR>Ao mesmo tempo é inegável a crise de representação
política, resultante principalmente do esgotamento das potencialidades inscritas
no projeto do PT que se definiram a partir do caminho trilhado para chegar no
poder, e principalmente da sua experiência no poder. Por sua vez, a esquerda
socialista que se opõe ao governo (PSOL, PSTU, PCB e outros grupos menores)
ainda está aquém de constituir-se uma alternativa de poder, ainda que não deva
ser desprezada sua perseverante militância nos movimentos sociais, sua inserção
nas lutas e algumas de suas experiências parlamentares. Ao mesmo tempo,
alimentada por anos de uma pedagogia da hegemonia neoliberal, que promove a
desqualificação dos partidos políticos como forma de organização (campanha que
germina no terreno fértil da corrupção-realmente-existente), a rejeição aos
partidos políticos (tratados como agremiações espúrias) penalizou também a
esquerda socialista.<BR> <BR><STRONG>Foi também pelos 20
centavos!</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Lugar comum não ajuda em nada como ponto de partida para
o entendimento dos fenômenos políticos como as Jornadas de Junho, mas não é
possível ser honesto na análise sem reconhecer que as forças políticas
organizadas do país foram pegas de surpresa. Não vai ser a primeira nem a última
vez que ondas de manifestações emergem em sociedades onde tudo parecia calmo.
Mas se engana quem pensa que, frente à surpresa, forças políticas organizadas
não tomaram posições decisivas nesses eventos.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para o bem e para o mal. Para o bem, se não perdermos de
vista que os protestos contra os aumentos do custo do transporte público não
surgiram do nada. Perseverantes quadros dos movimentos estudantis ou formados
por estes, como o Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo (com uma sólida
elaboração sobre o transporte público como um direito), estiveram por detrás do
processo que iniciou essas mobilizações cujo ponto de origem pode ser localizada
na "Revolta do Buzu" (Salvador, agosto/setembro de 2003), com a formação do
próprio MPL no Fórum Social Mundial de 2005, além de um ciclo de mobilizações
que acompanhou o segundo mandato do presidente Lula e que prosseguiu nos últimos
anos. No ciclo iniciado em junho deste ano, se desencadeou uma brutal repressão
por parte das Polícias Militares em várias unidades da federação,
particularmente violenta na cidade de São Paulo, em 13 de junho. Na capital
paulista o MPL assumiu a posição de porta voz do movimento, cumprindo
razoavelmente bem o papel com legitimidade.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para o mal, a súbita mudança de atitude da imprensa
corporativa, que até o mesmo dia 13 resumia todos os protestos que ocorriam no
Rio e na capital paulista como "um atentado ao direito de ir vir", e de uma hora
para outra se passou para defensora das "manifestações". Para o mal mesmo, e
grande parte da desorientação da esquerda socialista decorre da incompreensão do
peso que esse "partido", a imprensa (no sentido gramsciano), pode ter em
situações como essas.2 Não se tratou de uma mera mudança de posição, para
supostamente seguir "a opinião de seus leitores", como se essa própria imprensa
não estivesse formulando essa mesma opinião. Muito menos não foi só um problema
corporativo, pelo fato de jornalistas terem sido alvo da repressão policial,
embora esse seja um elemento que não possa ser desconsiderado.<BR>A imprensa
corporativa não só mudou de posição, mas foi capaz de capturar a consciência de
parcelas significativas das massas populares que saíram às ruas na semana de 17
a 21 de junho, que o fizeram com cartolinas onde se podia ler: "Abaixo a PEC
37", "Pelo fim da corrupção", "Diminuição do número de ministérios", além de
fanfarronices ingênuas como "Saímos do Facebook", "O Gigante Acordou" e "Não é
só pelos 20 centavos". Na súbita e maliciosa mudança na cobertura da imprensa,
onde até então se viam "vândalos", passou-se a para uma sorrateira divisão entre
"pacíficos" x "vândalos", ao mesmo tempo em que Arnaldo Jabor promovia uma
ridícula autocrítica, pois se na semana anterior havia comparado os
manifestantes a "criminosos do PCC", agora lhes pedia para que fossem as ruas
"contra a PEC 37", "contra a corrupção" e "o número de ministérios".</DIV>
<DIV align=justify><BR>O "argumento PCC" foi também convocado pela Folha de São
Paulo, em editorial do dia mesmo 13 de junho, onde praticamente pedia que a PM
do governador Alckmin agisse com violência contra os manifestantes. Com a
credibilidade em baixa, a revista VEJA alterou sua linha já na edição de
domingo, dia 16, onde não só explicitamente se passava para incentivadora dos
protestos, como estampou imagens de "depredação" de vitrines em sua capa. Era
quase um convite à insurreição, que obviamente a revista queria direcionar
contra o governo federal.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para completar, a insistência com a que a mídia relatou
episódios isolados em que no dia 17 bandeiras vermelhas de partidos de esquerda
foram rejeitadas por parte dos manifestantes, parece ter dado uma certa base
social para uma ação organizada por grupos de extrema-direita que em todo o
país, no dia 20 de junho (como ocorreu na Avenida Presidente Vargas, no Rio de
Janeiro), arrancaram bandeiras vermelhas e espancaram manifestantes.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Não se tratava da expressão de um evidente desgaste das
organizações político partidárias, resultante inclusive do fato do país ser
governado desde de 2003 pelo PT. A própria vaia e o pedido de que as bandeiras
fossem abaixadas pode expressar apenas esse sentimento de desilusão com o
sistema político partidário, embora no fundo expresse uma compreensão política
rebaixada. Outra coisa, bem diferente, é a defesa da violência contra os
partidos de esquerda, como fizeram esses grupos de extrema-direita em conluio
com policiais à paisana, apoiados pelas colunas do Merval Pereira em O
Globo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>As portas do inferno se abriram: a extrema-direita veio a
luz, a esquerda apanhou e em alguns casos foi expulsa das manifestações, como
ocorreu com o próprio MPL, que junto com as colunas dos partidos socialistas
(PSTU, PCB, coletivos do PSOL, LER-Qi e outros grupos), foi convidado a ser
retirar do centro de São Paulo, enquanto uma massa desorientada cantava o Hino
Nacional em frente ao edifício da FIESP, e fuzileiros navais em trajes civis
atacavam o Palácio do Itamarati em Brasília, uma imagem que nos leva no túnel do
tempo ao período anterior ao Golpe de 1964.3</DIV>
<DIV align=justify><BR>A revogação dos aumentos dos preços das passagens em São
Paulo e no Rio, ainda no início da noite do dia 19, parecia deixar as portas
abertas para que o movimento fosse agora apresentado como "sem pauta", ao mesmo
tempo e que era pautado pela própria imprensa. De certo modo, o slogan
espontâneo "não é só pelos 20 centavos" abriu caminho para que as pautas
apresentadas pela imprensa fossem agora apresentadas como o motivo da revolta
geral.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A desorientação que se abateu nos círculos da esquerda
após o 20 de junho não foi de qualquer monta. De gente falando que tinha
realmente de deixar as bandeiras em casa e ir pro meio da massa, à setores na
oposição de esquerda ao Lulismo clamando por uma aliança com o PT e o PCdoB (até
PSB e PDT em alguns casos), tudo se propôs naqueles dias. Em círculos
minoritários uma avaliação mais exótica parecia confortar alguns grupos que
haviam sido expulsos das manifestações: foram feitas pela "classe média", não
pela classe trabalhadora. Alguns desses ficaram esperando quase messianicamente
pela "entrada da classe trabalhadora", como se a mesma não tivesse tido nenhuma
participação até o momento. Tal argumento foi desmontado por uma pesquisa de
opinião feita no dia 20 de junho durante a manifestação do Rio onde se constatou
que 70% das pessoas podem ser definidas como pertencentes à classe trabalhadora,
e não uma "classe média" (BRAGA, 2013).</DIV>
<DIV align=justify><BR>Outros preferiam dourar a pílula, e comprar o discurso
udenista do século XXI, de que "a maior ameaça à democracia" era a "PEC 37", a
"corrupção" e até a "quantidade de ministérios no governo Dilma". Parecia que só
era necessário apensar termos mais à esquerda nessa "agenda udenista" e, como
passe de mágica, a consciência das massas pudesse ser caracterizada como
"avançando".</DIV>
<DIV align=justify><BR>A questão é que, não obstante todos os percalços, foi a
esquerda que conseguiu voltar as ruas nas semanas seguintes, e foi não outra
coisa senão a esquerda que promoveu duas massivas manifestações no fim da Copa
das Confederações, tornando a insatisfação popular com os gastos astronômicos
dos governos com estádios um clamor nacional. As cenas da classe média
desfilando ao lado dos Caveirões e posando para fotos com agentes do BOPE
acabavam por realçar a linha divisória de classe que separa aqueles que querem
um Estado policial implantado nas áreas mais pobres da cidade, daqueles que se
opõem ao mesmo.<BR> <BR><STRONG>O movimento no Rio: Fora
Cabral!</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Não é exagero afirmar que foi a campanha pela derrubada
do governador Sérgio Cabral que permitiu que a esquerda voltasse a iniciativa
nas ruas. Mas a esquerda não é mais a mesma coisa desde o início das Jornadas de
Junho. Agora temos nas ruas jovens jornalistas que transmitem ao vivo o que se
passam nas manifestações, desmascarando armações da polícia, como no já famoso
episódio do dia 22 de julho, no primeiro dia da visita do Papa Francisco, onde
conseguiu-se demonstrar que foi um agente infiltrado (P2) que jogou um coquetel
molotov contra a própria Tropa de Choque. O episódio livrou o manifestante Bruno
Telles das acusações que a Polícia Militar destilaram contra o mesmo, resultando
no arquivamento do processo, não sem antes fazer até o Jornal Nacional da Globo
apresentar vídeos que já circulavam na internet e que provavam a armação da
polícia.4</DIV>
<DIV align=justify><BR>Além disso, agora os protestos passaram a contar com
colunas de ativistas com indumentária preta e disposição para o enfrentamento
com a polícia, e não mais continuar a tradição de apanhar da PM e ficar por isso
mesmo. Os Black Blocs viraram capa de revista e objeto das mais bisonhas
reportagens por parte de O Globo, Folha e a revista Época, onde se sugeriu que
eles estavam treinando "técnicas de guerrilha" no Mato Grosso (Ahh?) e que
recebiam treinamento de "ex-integrantes dos Tupamaros". Polêmicas no interior da
esquerda, como não poderia deixar de acontecer, têm sido importantes, mas é
preciso não deixar que os sectarismos corroam as possibilidades muito mais
fecundas de uma atuação em conjunto, e sobre esse ponto deixo apenas uma pequena
nota.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O problema maior é acreditar que as únicas forças
progressistas existentes na realidade são aquelas que as organizações A, B ou C
impulsionam. Isso por que, de saída, o que se perde de vista é um entendimento
totalizante. A essa altura da crise, dedicar esforços em combater forças que no
campo anti-sistêmico combatem na mesma trincheira contra a ordem é um esforço
inócuo, e não contribui em nada para o avanço da consciência das massas. A
origem do erro é pressuposição de que seja possível suspender a existência de
experiências emergentes que por acaso estejam fora do campo de forças de
organização A, B ou C.<BR></DIV>
<DIV align=justify>Melhor seria apostar no crescimento de um movimento que
ocorre numa época histórica em que a fragmentação na esquerda socialista é um
elemento que não parece ter resolução num prazo médio. E aqui talvez é que
esteja o grande debate: que tipo de organização será capaz de absorver o desenho
das lutas emergentes? Como constituir uma alternativa de poder dos
trabalhadores? Ou seja, como intervir politicamente de modo a impulsionar a
auto-organização dos trabalhadores? A essa altura nada que não seja unitário é
capaz produzir efeitos progressistas frente aos desafios.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas unidade não pode significar ausência de debate entre
as posições divergentes no interior da esquerda socialista. A idéia de que a
polêmica em si deva ser vista com reserva, remete aos piores momentos da
experiência socialista no século XX, o
stalinismo.<BR> <BR><STRONG><U>Bibliografia</U></STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>BENSAÏD, Daniel. La discordance des temps. Essais sur les
crises, les classes, l'histoire. Paris: Les Éditions de la Passion,
1995.<BR>BRAGA, Ruy. "Sob a sombra do precariado." In. Cidades Rebeldes. São
Paulo: Carta Maior e Boitempo, 2013.<BR>BRITO, Felipe & ROCHA, Pedro
(orgs.). Até o último homem. Visões cariocas da administração armada da vida
social. São Paulo: Boitempo, 2013.<BR>CARCANHOLO, Marcelo Dias. "Crise atual da
economia capitalista: lógica e perspectivas." Antítese, Goiânia, n.8, pp.41-60,
2010.<BR>CARCANHOLO, Reinaldo & SABADINI, Maurício. "Capital ficticio y
Ganancias fictícias." Herramienta, Buenos Aires, v.37, p.59-79,
2008.<BR>GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. III. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999.<BR>HOBSBAWM, Eric. "Karl Marx e o movimento
operário inglês." In. Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982,
p.101-113.<BR>MARQUES, Rosa & NAKATANI, Paulo. O que é capital fictício e
sua crise. São Paulo: Brasiliense, 2009.<BR>MARX, Karl. O capital. Livro III.
São Paulo: Abril Cultural, 1983, volumes I e II.<BR>MOVIMENTO PASSE LIVRE DE SÃO
PAULO, "Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo." Cidades
Rebeldes. São Paulo: Carta Maior e Boitempo, 2013.<BR>OLIVEIRA, Francisco;
BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.) Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo,
2010.<BR>UNITED STATES GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE. Federal Reserve System.
Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency
Assistance. July 2011, p.131. Disponível em <A
title="http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf CTRL + clic para seguir el vínculo"
href="http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf">http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf</A><BR></DIV>
<DIV align=justify><STRONG><U></U></STRONG> </DIV>
<DIV align=justify><STRONG><U>Notas</U></STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>1) Na seção quinta deste livro (MARX, 1983) Marx
desenvolve os temas relacionados ao que vulgarmente se chama de "esfera
financeira", da divisão do mais-valor em lucro empresarial e juros, do sistema
bancário e do capital fictício, conceito cuja centralidade para a atual fase de
desenvolvimento capitalista tem sido apontada por diversos autores (p.ex.
CARNHOLO & SABADINI, 2008; MARQUES & NAKATANI, 2009; CARCANHOLO,
2010).<BR>2) A importância da imprensa (e da mídia em geral) em situações onde
existe crise de representação dos partidos tradicionais foi discutida por
Gramsci em um de seus Cadernos do Cárcere (1999) "Em um certo ponto de sua vida
histórica, os grupos sociais se separam de seus partidos tradicionais, isto é,
os partidos tradicionais naquela dada forma organizativa, com aqueles
determinados homens que os constituem, representam e dirigem, não são mais
reconhecidos como sua expressão por sua classe ou fração de classe. Quando se
verificam estas crises, a situação imediata torna-se delicada e perigosa, pois
abre-se o campo às soluções de força, à atividade de potências ocultas
representadas pelos homens providenciais ou carismáticos. Como se formam estas
situações de contraste entre representantes e representados, que, a partir do
terreno dos partidos (organizações de partido em sentido estrito, campo
eleitoral-parlamentar, organização jornalística), reflete-se em todo o organismo
estatal, reforçando a posição relativa do poder da burocracia (civil e militar),
da alta finança, da Igreja e, em geral, de todos os organismos relativamente
independentes das flutuações da opinião pública?" (CC, 13, §23: 60).<BR>3)
Todavia é claro que só os muito delirantes poderiam conceber que esta comparação
pudesse embasar as muitas teorias que surgiram naquela altura de que o governo
do PT pudesse ser alvo de um golpe, tal como em 1964. Em primeiro lugar, os
cenários são completamente diferentes e não só pela determinação internacional
da Guerra Fria, mas pelo fato de naquela altura o governo reformista de Goulart
possuir importantes pontos de atrito com o capital estrangeiro (como na Lei
sobre a Remessa de Lucros), enquanto que as relações do governo do PT com o
grande capital até agora tem sido quase monogâmicas (Cf. OLIVEIRA, BRAGA &
RIZEK, 2010)<BR>4) Correndo atrás para restabelecer sua credibilidade, a Rede
Globo não se furtou a apresentar os vídeos que já circulavam pela internet como
quase como um furo de reportagem.
<HR>
</FONT></DIV></BODY></HTML>