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<DIV align=center><FONT size=4 face=Arial><STRONG><U>boletín solidario de 
información</U><BR><FONT color=#800000 size=5>Correspondencia de 
Prensa</FONT><BR><U>20 de setiembre 2013</U><BR><FONT color=#800000 
size=5>Colectivo Militante - Agenda Radical<BR></FONT>Montevideo - 
Uruguay<BR>redacción y suscripciones: <A 
title="mailto:germain5@chasque.net&#10;CTRL + clic para seguir el vínculo" 
href="mailto:germain5@chasque.net">germain5@chasque.net</A></STRONG></FONT><A 
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<DIV align=justify><FONT face=Arial></FONT>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><STRONG><FONT size=3 
face=Arial>Brasil<BR></FONT></STRONG></DIV></FONT>
<DIV align=justify><FONT face=Arial><STRONG></STRONG></FONT>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG><FONT size=3>A esquerda 
líquida e a jornadas de junho: razoes da 
crise</FONT></STRONG><BR><BR><STRONG></STRONG></FONT></DIV>
<DIV align=justify><FONT size=2 face=Arial><STRONG>Demian Melo<BR>Revista 
Habanero, Río de Janeiro<BR><A 
title="http://www.revistahabanero.org/&#10;CTRL + clic para seguir el vínculo" 
href="http://www.revistahabanero.org/">http://www.revistahabanero.org/</A></STRONG><BR></DIV></FONT><FONT 
size=2 face=Arial>
<DIV align=justify><BR>Nenhuma crise cíclica do capitalismo pode ser tomada como 
causa de uma onda de rebeliões ou revoluções sociais, quase como se houvesse uma 
sincronia no processo histórico entre as flutuações da economia e a luta de 
classes. Marx aprendeu, com a experiência da primeira crise global capitalista, 
ocorrida em 1857-1858, que nem sempre este momento do modo de ser da 
sociabilidade do valor coincide com algum tipo de convulsão social (BENSAÏD, 
1995: 84). Esperando ansiosos que uma nova crise de superprodução desempenhasse 
a função de desencadear uma nova onda de revoluções, tal como havia ocorrido em 
1848, ele e Engels perderam as esperanças ao perceberem que, pelo contrário, a 
crise havia contraditoriamente contribuído para a "monopólio mundial do 
capitalismo britânico" (HOBSBAWM, 1982: 104).</FONT></DIV><FONT size=2 
face=Arial>
<DIV align=justify><BR>Todavia não seria de todo esquemático tomar o início da 
crise capitalista de 2008 como de abertura de uma nova situação internacional. O 
que aconteceu até agora? Neste ano de 2013, a OIT revelou que até 2015 o número 
do desemprego global pode chegar a 208 milhões de pessoas. Em suma, a tragédia 
social criada pela lógica incontrolável do capital é bem maior que esse número, 
já que nunca devem ser desconsideradas as evidentes sub-notificações comuns 
encontradas a esse tipo de projeção, que não pode considerar aqueles que 
desistiram de procurar emprego, ou aqueles que estão em empregos extremamente 
precários.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No outro lado da fronteira de classe, cerca de trinta 
trilhões de dólares foram transferidos das receitas públicas dos Estados para 
salvar empresas em dificuldades, enquanto os cidadãos comuns perderam e estão 
perdendo seus empregos e suas casas. Recentemente, o Government Accountability 
Office (um instituto do congresso dos EUA) descobriu que desde o início da crise 
só o Tesouro norte-americano entregou 16 trilhões de dólares em empréstimos 
secretos às grandes empresas e instituições financeiras, tanto dos EUA quanto 
também estrangeiras (UNITED STATES GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE, 2011). A 
alegação dos Estados era que tais medidas seriam necessárias para injetar 
capacidade de investimento nas empresas, que voltariam a produzir, gerando 
demanda, produzindo novos empregos etc. Em suma, a idéia era ativar a ação 
anti-cíclica do Estado para a retomada do crescimento econômico. Só que isto não 
só não funcionou, como acabou por gerar a atual fase da crise, cuja metástase 
vem se espalhando pelo globo. Afinal, qual seria o resultado desta farra senão o 
aumento exponencial das já gigantescas dívidas públicas?</DIV>
<DIV align=justify><BR>O que se tem agora é uma imensa montanha de dívidas 
públicas impagáveis, cujos dados são alarmantes. A dívida federal do governo dos 
EUA passou de 9,2 trilhões de dólares em 2007 para 14,5 trilhões em 2011, o que 
corresponde a 100% do PIB. A dívida alcança nos países europeus 63% do PIB da 
Espanha, 76,5% na Inglaterra, 81,7% na França, 93% em Portugal, 114% da Irlanda, 
120% da Itália e 152% do Grécia. Além disso, vemos agora ações no sentido de 
aumentar, ainda mais, a capacidade de endividamento dos Estados, como nos EUA. 
Isso tudo formou uma imensa bolha, ou como Marx chamou no livro III do Capital, 
uma montanha de "capital fictício".1</DIV>
<DIV align=justify><BR>Além dessa dinâmica da crise, o aumento exponencial do 
protesto social, de greves gerais européias (como a de 14 de novembro de 2012, 
que ocorreu em vários países ao mesmo tempo), às insurreições de caráter diverso 
que tomaram conta do Norte da África desde a queda de Mubarak em 2011, as lutas 
sociais voltaram à cena em diversas latitudes. E quem diria que no país que até 
então parecia um exemplo de estabilidade na América Latina, uma onda de 
manifestações fosse tomar conta das suas principais cidades desde junho de 
2013?</DIV>
<DIV align=justify><BR>O propósito deste artigo é contribuir com alguns 
apontamentos sobre o caráter dessas manifestações chamadas genericamente de 
Jornadas de Junho, pensando nos desafios colocados para a esquerda socialista 
brasileira, que há muito vinha conspirando pelo desabrochar da Primavera.</DIV>
<DIV align=justify><BR><STRONG>O Brasil na onda do protesto 
global?</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>A entrada em cena do Brasil no cenário do protesto 
global, como não poderia deixar de ser, possui enormes particularidades. Em 
primeiro lugar, a crise internacional parece estar prejudicando mais fortemente 
o balanço de pagamentos, e a desaceleração econômica parece ter chegado de vez. 
Tomara que não, afinal, como ensinou Marx, nas crises são os trabalhadores os 
maiores penalizados. O próprio ciclo de greves que antecedeu esse período de 
protestos de rua, como na construção civil em obras do Plano de Aceleração do 
Crescimento (PAC), ou mesmo a heróica greve dos bombeiros no Rio de Janeiro em 
2011, ocorreram quando as condições da economia não eram das piores, ainda que 
não fosse a excepcionalidade de um crescimento do PIB na ordem de 7,5%, como em 
2010.</DIV>
<DIV align=justify><BR>De qualquer modo, alguns dados são bem preocupantes. Em 
2011 a dívida pública consumiu 45% do orçamento da União, enquanto que em 2012 
essa taxa foi de 42%, chegando à marca dos 2 trilhões de dólares. Nesse ano de 
2013 o índice tende a permanecer nesse patamar, o que implica numa brutal 
transferência de recursos socialmente produzidos e centralizados no Estado para 
o bolso dos portadores dos títulos da dívida pública brasileiro, o grande 
capital. Enquanto isso, em meio a um cenário turbulento, a equipe econômica do 
governo efetuou um corte de 10 bilhões de reais, enquanto as ruas pedem mais 
educação, saúde e transportes "padrão Fifa", ou seja, mais recursos públicos 
nessas áreas.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas é bobagem querer atribuir o estopim do 
descontentamento popular ao relativo aumento do custo de vida, como o 
presenciado neste ano de 2013, apesar deste elemento poder ser tomado como um 
entre outros que se combinou na criação deste cenário.</DIV>
<DIV align=justify><BR>As razões do descontentamento devem ser buscadas em 
determinações que se inscrevem no longo, médio e curto prazo. No longo prazo é 
fundamental atentar para a estrutura social desigual que, não obstante tenha 
sofrido alterações na última década, ainda faz do Brasil um dos países mais 
desiguais do mundo. Nessa mesma temporalidade, cabe lembrar que protestos 
urbanos desencadeados em torno à pauta da precariedade do transporte público não 
constitui algo inédito. Como bem apontou o Movimento Passe Livre de São Paulo, 
um dos protagonistas dessas jornadas,</DIV>
<DIV align=justify><BR>"Como um fantasma que ronda as cidades deixando marcas 
vivas no espaço e na memória, as revoltas populares em torno do transporte 
coletivo assalta a história das metrópoles brasileiras desde sua formação. Os 
bondes virados, os trens apedrejados, os ônibus incendiados, os catracações, os 
muros 'pixados' com as vozes das ruas, as barricadas erguidas contra os 
sucessivos aumentos das passagens são expressão da digna raiva contra um sistema 
completamente entregue à lógica da mercadoria." (MOVIMENTO PASSE LIVRE DE SÃO 
PAULO, 2013)<BR>&nbsp;<BR>No tempo médio, a forma de desenvolvimento encaminhada 
no país, seguindo uma tendência global, torna o próprio território das cidades 
um suporte para o processo de valorização do capital. Projetos megalomaníacos 
voltados para o turismo têm sido uma realidade desde os anos 1970 em várias 
cidades do mundo. Projetos como o "Porto Maravilha" na região portuária do Rio 
de Janeiro, por exemplo, encontram exemplos similares em cidades como Buenos 
Aires, Barcelona, Baltimore entre outras, onde o Estado expulsa populações 
pobres que habitavam regiões até então abandonadas pelos poderes públicos e os 
interesses do capital privado. Ao mesmo tempo, a especulação imobiliária que se 
desenvolve a partir desta lógica de expansão do capital constitui outro fator 
que tem levado ao aumento significativo do custo de vida, do mal-estar e da 
inquietação social no Brasil.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Localizados também numa longa duração, movimentos 
populares em torno do direito à moradia só se intensificaram nos últimos anos, 
engendrando experiências notáveis de resistência popular, como no episódio da 
comunidade do Pinheirinho em São José dos Campos, impulsionada pela esquerda 
socialista (notadamente o PSTU) e que se tornou uma referência nacional de 
resistência popular. Não tendo sido o primeiro, mas certamente assumindo uma 
posição de destaque face à brutalidade com que a violência estatal (no interesse 
do grande capital) expulsou (pedagogicamente) seus habitantes - procedimento 
onde não faltaram impulsos eugênicos, como a distribuição de passagens de ônibus 
para "qualquer lugar do Nordeste" -, muitos "Pinheirinhos" têm proliferado nos 
problemáticos espaços urbanos brasileiros.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Além disso, o projeto de controle policial do território 
(e, por conseqüência da vida social) tem dado passos consideráveis, 
especialmente no Rio de Janeiro a partir do primeiro governo Sérgio Cabral 
(2007), através de ações como a instalação das Unidades de Polícia 
Pacificadoras, as UPPs (Cf. BRITO &amp; ROCHA, 2013). Não é um projeto para 
todas as favelas, como já se repetiu ad nauseum, mas para algumas favelas que 
circundam áreas de interesse do mercado, como aquelas onde existem equipamentos 
esportivos que se destinarão a Copa e a Olimpíada, além das localizadas na Zona 
Sul carioca. O índice de violência policial ainda é agravado pelo controle 
paramilitar que é exercido pelas chamadas "milícias" principalmente (mas não só) 
na Zona Oeste do Rio.</DIV>
<DIV align=justify><BR>No curto prazo, podemos tomar algumas elaborações do 
sociólogo Ruy Braga, de que, em primeiro lugar, não existe um só grande impulso 
imediato desse processo de mobilizações, e na verdade ele responde a várias 
fontes de insatisfações. Em primeiro lugar a questão do trabalho. A despeito de 
ter havido um progresso na renda e na formalização nos últimos 10 anos, existem 
hoje condições muito duras de trabalho, que podem ser medidas pelo aumento do 
número de acidentes de trabalho; salários muito baixos - afinal 94% do emprego 
formal criado nos últimos 10 ano pagam até 1,5 salário mínimo, ou seja, em torno 
de R$ 1.000, 00 (mil reais) -, concentrado no setor de serviços, com alta taxa 
de rotatividade. Isso tende a aglutinar uma série de insatisfações que se 
combinam às condições de vida nas cidades. Como já aludimos acima, as cidades 
foram sendo privatizadas ao longo dos últimos 20 anos, e parte significativa da 
população não se sente representada no seu modo de vida, morando em periferias 
muito distantes, onde o transporte público é extremamente precário, constituindo 
um dos grandes problemas das grandes metrópoles (BRAGA, 2013).</DIV>
<DIV align=justify><BR>Ao mesmo tempo é inegável a crise de representação 
política, resultante principalmente do esgotamento das potencialidades inscritas 
no projeto do PT que se definiram a partir do caminho trilhado para chegar no 
poder, e principalmente da sua experiência no poder. Por sua vez, a esquerda 
socialista que se opõe ao governo (PSOL, PSTU, PCB e outros grupos menores) 
ainda está aquém de constituir-se uma alternativa de poder, ainda que não deva 
ser desprezada sua perseverante militância nos movimentos sociais, sua inserção 
nas lutas e algumas de suas experiências parlamentares. Ao mesmo tempo, 
alimentada por anos de uma pedagogia da hegemonia neoliberal, que promove a 
desqualificação dos partidos políticos como forma de organização (campanha que 
germina no terreno fértil da corrupção-realmente-existente), a rejeição aos 
partidos políticos (tratados como agremiações espúrias) penalizou também a 
esquerda socialista.<BR>&nbsp;<BR><STRONG>Foi também pelos 20 
centavos!</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Lugar comum não ajuda em nada como ponto de partida para 
o entendimento dos fenômenos políticos como as Jornadas de Junho, mas não é 
possível ser honesto na análise sem reconhecer que as forças políticas 
organizadas do país foram pegas de surpresa. Não vai ser a primeira nem a última 
vez que ondas de manifestações emergem em sociedades onde tudo parecia calmo. 
Mas se engana quem pensa que, frente à surpresa, forças políticas organizadas 
não tomaram posições decisivas nesses eventos.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para o bem e para o mal. Para o bem, se não perdermos de 
vista que os protestos contra os aumentos do custo do transporte público não 
surgiram do nada. Perseverantes quadros dos movimentos estudantis ou formados 
por estes, como o Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo (com uma sólida 
elaboração sobre o transporte público como um direito), estiveram por detrás do 
processo que iniciou essas mobilizações cujo ponto de origem pode ser localizada 
na "Revolta do Buzu" (Salvador, agosto/setembro de 2003), com a formação do 
próprio MPL no Fórum Social Mundial de 2005, além de um ciclo de mobilizações 
que acompanhou o segundo mandato do presidente Lula e que prosseguiu nos últimos 
anos. No ciclo iniciado em junho deste ano, se desencadeou uma brutal repressão 
por parte das Polícias Militares em várias unidades da federação, 
particularmente violenta na cidade de São Paulo, em 13 de junho. Na capital 
paulista o MPL assumiu a posição de porta voz do movimento, cumprindo 
razoavelmente bem o papel com legitimidade.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para o mal, a súbita mudança de atitude da imprensa 
corporativa, que até o mesmo dia 13 resumia todos os protestos que ocorriam no 
Rio e na capital paulista como "um atentado ao direito de ir vir", e de uma hora 
para outra se passou para defensora das "manifestações". Para o mal mesmo, e 
grande parte da desorientação da esquerda socialista decorre da incompreensão do 
peso que esse "partido", a imprensa (no sentido gramsciano), pode ter em 
situações como essas.2 Não se tratou de uma mera mudança de posição, para 
supostamente seguir "a opinião de seus leitores", como se essa própria imprensa 
não estivesse formulando essa mesma opinião. Muito menos não foi só um problema 
corporativo, pelo fato de jornalistas terem sido alvo da repressão policial, 
embora esse seja um elemento que não possa ser desconsiderado.<BR>A imprensa 
corporativa não só mudou de posição, mas foi capaz de capturar a consciência de 
parcelas significativas das massas populares que saíram às ruas na semana de 17 
a 21 de junho, que o fizeram com cartolinas onde se podia ler: "Abaixo a PEC 
37", "Pelo fim da corrupção", "Diminuição do número de ministérios", além de 
fanfarronices ingênuas como "Saímos do Facebook", "O Gigante Acordou" e "Não é 
só pelos 20 centavos". Na súbita e maliciosa mudança na cobertura da imprensa, 
onde até então se viam "vândalos", passou-se a para uma sorrateira divisão entre 
"pacíficos" x "vândalos", ao mesmo tempo em que Arnaldo Jabor promovia uma 
ridícula autocrítica, pois se na semana anterior havia comparado os 
manifestantes a "criminosos do PCC", agora lhes pedia para que fossem as ruas 
"contra a PEC 37", "contra a corrupção" e "o número de ministérios".</DIV>
<DIV align=justify><BR>O "argumento PCC" foi também convocado pela Folha de São 
Paulo, em editorial do dia mesmo 13 de junho, onde praticamente pedia que a PM 
do governador Alckmin agisse com violência contra os manifestantes. Com a 
credibilidade em baixa, a revista VEJA alterou sua linha já na edição de 
domingo, dia 16, onde não só explicitamente se passava para incentivadora dos 
protestos, como estampou imagens de "depredação" de vitrines em sua capa. Era 
quase um convite à insurreição, que obviamente a revista queria direcionar 
contra o governo federal.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Para completar, a insistência com a que a mídia relatou 
episódios isolados em que no dia 17 bandeiras vermelhas de partidos de esquerda 
foram rejeitadas por parte dos manifestantes, parece ter dado uma certa base 
social para uma ação organizada por grupos de extrema-direita que em todo o 
país, no dia 20 de junho (como ocorreu na Avenida Presidente Vargas, no Rio de 
Janeiro), arrancaram bandeiras vermelhas e espancaram manifestantes.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Não se tratava da expressão de um evidente desgaste das 
organizações político partidárias, resultante inclusive do fato do país ser 
governado desde de 2003 pelo PT. A própria vaia e o pedido de que as bandeiras 
fossem abaixadas pode expressar apenas esse sentimento de desilusão com o 
sistema político partidário, embora no fundo expresse uma compreensão política 
rebaixada. Outra coisa, bem diferente, é a defesa da violência contra os 
partidos de esquerda, como fizeram esses grupos de extrema-direita em conluio 
com policiais à paisana, apoiados pelas colunas do Merval Pereira em O 
Globo.</DIV>
<DIV align=justify><BR>As portas do inferno se abriram: a extrema-direita veio a 
luz, a esquerda apanhou e em alguns casos foi expulsa das manifestações, como 
ocorreu com o próprio MPL, que junto com as colunas dos partidos socialistas 
(PSTU, PCB, coletivos do PSOL, LER-Qi e outros grupos), foi convidado a ser 
retirar do centro de São Paulo, enquanto uma massa desorientada cantava o Hino 
Nacional em frente ao edifício da FIESP, e fuzileiros navais em trajes civis 
atacavam o Palácio do Itamarati em Brasília, uma imagem que nos leva no túnel do 
tempo ao período anterior ao Golpe de 1964.3</DIV>
<DIV align=justify><BR>A revogação dos aumentos dos preços das passagens em São 
Paulo e no Rio, ainda no início da noite do dia 19, parecia deixar as portas 
abertas para que o movimento fosse agora apresentado como "sem pauta", ao mesmo 
tempo e que era pautado pela própria imprensa. De certo modo, o slogan 
espontâneo "não é só pelos 20 centavos" abriu caminho para que as pautas 
apresentadas pela imprensa fossem agora apresentadas como o motivo da revolta 
geral.</DIV>
<DIV align=justify><BR>A desorientação que se abateu nos círculos da esquerda 
após o 20 de junho não foi de qualquer monta. De gente falando que tinha 
realmente de deixar as bandeiras em casa e ir pro meio da massa, à setores na 
oposição de esquerda ao Lulismo clamando por uma aliança com o PT e o PCdoB (até 
PSB e PDT em alguns casos), tudo se propôs naqueles dias. Em círculos 
minoritários uma avaliação mais exótica parecia confortar alguns grupos que 
haviam sido expulsos das manifestações: foram feitas pela "classe média", não 
pela classe trabalhadora. Alguns desses ficaram esperando quase messianicamente 
pela "entrada da classe trabalhadora", como se a mesma não tivesse tido nenhuma 
participação até o momento. Tal argumento foi desmontado por uma pesquisa de 
opinião feita no dia 20 de junho durante a manifestação do Rio onde se constatou 
que 70% das pessoas podem ser definidas como pertencentes à classe trabalhadora, 
e não uma "classe média" (BRAGA, 2013).</DIV>
<DIV align=justify><BR>Outros preferiam dourar a pílula, e comprar o discurso 
udenista do século XXI, de que "a maior ameaça à democracia" era a "PEC 37", a 
"corrupção" e até a "quantidade de ministérios no governo Dilma". Parecia que só 
era necessário apensar termos mais à esquerda nessa "agenda udenista" e, como 
passe de mágica, a consciência das massas pudesse ser caracterizada como 
"avançando".</DIV>
<DIV align=justify><BR>A questão é que, não obstante todos os percalços, foi a 
esquerda que conseguiu voltar as ruas nas semanas seguintes, e foi não outra 
coisa senão a esquerda que promoveu duas massivas manifestações no fim da Copa 
das Confederações, tornando a insatisfação popular com os gastos astronômicos 
dos governos com estádios um clamor nacional. As cenas da classe média 
desfilando ao lado dos Caveirões e posando para fotos com agentes do BOPE 
acabavam por realçar a linha divisória de classe que separa aqueles que querem 
um Estado policial implantado nas áreas mais pobres da cidade, daqueles que se 
opõem ao mesmo.<BR>&nbsp;<BR><STRONG>O movimento no Rio: Fora 
Cabral!</STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>Não é exagero afirmar que foi a campanha pela derrubada 
do governador Sérgio Cabral que permitiu que a esquerda voltasse a iniciativa 
nas ruas. Mas a esquerda não é mais a mesma coisa desde o início das Jornadas de 
Junho. Agora temos nas ruas jovens jornalistas que transmitem ao vivo o que se 
passam nas manifestações, desmascarando armações da polícia, como no já famoso 
episódio do dia 22 de julho, no primeiro dia da visita do Papa Francisco, onde 
conseguiu-se demonstrar que foi um agente infiltrado (P2) que jogou um coquetel 
molotov contra a própria Tropa de Choque. O episódio livrou o manifestante Bruno 
Telles das acusações que a Polícia Militar destilaram contra o mesmo, resultando 
no arquivamento do processo, não sem antes fazer até o Jornal Nacional da Globo 
apresentar vídeos que já circulavam na internet e que provavam a armação da 
polícia.4</DIV>
<DIV align=justify><BR>Além disso, agora os protestos passaram a contar com 
colunas de ativistas com indumentária preta e disposição para o enfrentamento 
com a polícia, e não mais continuar a tradição de apanhar da PM e ficar por isso 
mesmo. Os Black Blocs viraram capa de revista e objeto das mais bisonhas 
reportagens por parte de O Globo, Folha e a revista Época, onde se sugeriu que 
eles estavam treinando "técnicas de guerrilha" no Mato Grosso (Ahh?) e que 
recebiam treinamento de "ex-integrantes dos Tupamaros". Polêmicas no interior da 
esquerda, como não poderia deixar de acontecer, têm sido importantes, mas é 
preciso não deixar que os sectarismos corroam as possibilidades muito mais 
fecundas de uma atuação em conjunto, e sobre esse ponto deixo apenas uma pequena 
nota.</DIV>
<DIV align=justify><BR>O problema maior é acreditar que as únicas forças 
progressistas existentes na realidade são aquelas que as organizações A, B ou C 
impulsionam. Isso por que, de saída, o que se perde de vista é um entendimento 
totalizante. A essa altura da crise, dedicar esforços em combater forças que no 
campo anti-sistêmico combatem na mesma trincheira contra a ordem é um esforço 
inócuo, e não contribui em nada para o avanço da consciência das massas. A 
origem do erro é pressuposição de que seja possível suspender a existência de 
experiências emergentes que por acaso estejam fora do campo de forças de 
organização A, B ou C.<BR></DIV>
<DIV align=justify>Melhor seria apostar no crescimento de um movimento que 
ocorre numa época histórica em que a fragmentação na esquerda socialista é um 
elemento que não parece ter resolução num prazo médio. E aqui talvez é que 
esteja o grande debate: que tipo de organização será capaz de absorver o desenho 
das lutas emergentes? Como constituir uma alternativa de poder dos 
trabalhadores? Ou seja, como intervir politicamente de modo a impulsionar a 
auto-organização dos trabalhadores? A essa altura nada que não seja unitário é 
capaz produzir efeitos progressistas frente aos desafios.</DIV>
<DIV align=justify><BR>Mas unidade não pode significar ausência de debate entre 
as posições divergentes no interior da esquerda socialista. A idéia de que a 
polêmica em si deva ser vista com reserva, remete aos piores momentos da 
experiência socialista no século XX, o 
stalinismo.<BR>&nbsp;<BR><STRONG><U>Bibliografia</U></STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>BENSAÏD, Daniel. La discordance des temps. Essais sur les 
crises, les classes, l'histoire. Paris: Les Éditions de la Passion, 
1995.<BR>BRAGA, Ruy. "Sob a sombra do precariado." In. Cidades Rebeldes. São 
Paulo: Carta Maior e Boitempo, 2013.<BR>BRITO, Felipe &amp; ROCHA, Pedro 
(orgs.). Até o último homem. Visões cariocas da administração armada da vida 
social. São Paulo: Boitempo, 2013.<BR>CARCANHOLO, Marcelo Dias. "Crise atual da 
economia capitalista: lógica e perspectivas." Antítese, Goiânia, n.8, pp.41-60, 
2010.<BR>CARCANHOLO, Reinaldo &amp; SABADINI, Maurício. "Capital ficticio y 
Ganancias fictícias." Herramienta, Buenos Aires, v.37, p.59-79, 
2008.<BR>GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. III. Rio de Janeiro: 
Civilização Brasileira, 1999.<BR>HOBSBAWM, Eric. "Karl Marx e o movimento 
operário inglês." In. Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, 
p.101-113.<BR>MARQUES, Rosa &amp; NAKATANI, Paulo. O que é capital fictício e 
sua crise. São Paulo: Brasiliense, 2009.<BR>MARX, Karl. O capital. Livro III. 
São Paulo: Abril Cultural, 1983, volumes I e II.<BR>MOVIMENTO PASSE LIVRE DE SÃO 
PAULO, "Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo." Cidades 
Rebeldes. São Paulo: Carta Maior e Boitempo, 2013.<BR>OLIVEIRA, Francisco; 
BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele (orgs.) Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 
2010.<BR>UNITED STATES GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE. Federal Reserve System. 
Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency 
Assistance. July 2011, p.131. Disponível em <A 
title="http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf&#10;CTRL + clic para seguir el vínculo" 
href="http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf">http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf</A><BR></DIV>
<DIV align=justify><STRONG><U></U></STRONG>&nbsp;</DIV>
<DIV align=justify><STRONG><U>Notas</U></STRONG></DIV>
<DIV align=justify><BR>1) Na seção quinta deste livro (MARX, 1983) Marx 
desenvolve os temas relacionados ao que vulgarmente se chama de "esfera 
financeira", da divisão do mais-valor em lucro empresarial e juros, do sistema 
bancário e do capital fictício, conceito cuja centralidade para a atual fase de 
desenvolvimento capitalista tem sido apontada por diversos autores (p.ex. 
CARNHOLO &amp; SABADINI, 2008; MARQUES &amp; NAKATANI, 2009; CARCANHOLO, 
2010).<BR>2) A importância da imprensa (e da mídia em geral) em situações onde 
existe crise de representação dos partidos tradicionais foi discutida por 
Gramsci em um de seus Cadernos do Cárcere (1999) "Em um certo ponto de sua vida 
histórica, os grupos sociais se separam de seus partidos tradicionais, isto é, 
os partidos tradicionais naquela dada forma organizativa, com aqueles 
determinados homens que os constituem, representam e dirigem, não são mais 
reconhecidos como sua expressão por sua classe ou fração de classe. Quando se 
verificam estas crises, a situação imediata torna-se delicada e perigosa, pois 
abre-se o campo às soluções de força, à atividade de potências ocultas 
representadas pelos homens providenciais ou carismáticos. Como se formam estas 
situações de contraste entre representantes e representados, que, a partir do 
terreno dos partidos (organizações de partido em sentido estrito, campo 
eleitoral-parlamentar, organização jornalística), reflete-se em todo o organismo 
estatal, reforçando a posição relativa do poder da burocracia (civil e militar), 
da alta finança, da Igreja e, em geral, de todos os organismos relativamente 
independentes das flutuações da opinião pública?" (CC, 13, §23: 60).<BR>3) 
Todavia é claro que só os muito delirantes poderiam conceber que esta comparação 
pudesse embasar as muitas teorias que surgiram naquela altura de que o governo 
do PT pudesse ser alvo de um golpe, tal como em 1964. Em primeiro lugar, os 
cenários são completamente diferentes e não só pela determinação internacional 
da Guerra Fria, mas pelo fato de naquela altura o governo reformista de Goulart 
possuir importantes pontos de atrito com o capital estrangeiro (como na Lei 
sobre a Remessa de Lucros), enquanto que as relações do governo do PT com o 
grande capital até agora tem sido quase monogâmicas (Cf. OLIVEIRA, BRAGA &amp; 
RIZEK, 2010)<BR>4) Correndo atrás para restabelecer sua credibilidade, a Rede 
Globo não se furtou a apresentar os vídeos que já circulavam pela internet como 
quase como um furo de reportagem. 
<HR>
</FONT></DIV></BODY></HTML>