Brasil: segundo mandato de Lula, la desertificación social-liberal [Ricardo Antunes - portugués]
Ernesto Herrera
germain5 en chasque.net
Vie Dic 8 10:17:21 GMT+2 2006
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boletín informativo - red solidaria de revistas
Correspondencia de Prensa
Año IV - 8 de diciembre 2006 - Redacción: germain5 en chasque.net
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Brasil
O segundo governo Lula e a desertificação social-liberal no Brasil
Ricardo Antunes *
Resistir.info
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I
As recentes eleições no Brasil conferiram à Lula um segundo mandato. Se em 2002, quando houve a primeira vitória nacional do partido dos Trabalhadores, ela sinalizava, em alguma dimensão, o inicio da desmontagem do neoliberalismo no Brasil. Praticamente concluído o primeiro mandato presidencial de Lula, pode-se constatar que os elementos de continuidade suplantaram completamente os traços de descontinuidade, abafando e finalmente travando as possibilidades de mudanças abertas com a eleição de 2002. O Brasil ajudava a referendar uma tese que tem sido reeditada em vários (ainda que não em todos) países: muitas forças de esquerda que se credenciam para demover o neoliberalismo, quando chegam ao poder, freqüentemente tornam-se prisioneiras da engrenagem neoliberal.
Para aqueles que esperavam uma significativa mudança da política econômica, contraditando os interesses do FMI; que almejavam a contenção do fluxo de capitais que migram para o sistema financeiro internacional, esgotando a produção da nossa riqueza; que imaginavam que pudesse ocorrer uma recuperação substancial do salário mínimo nacional, contra a política de arrocho salarial; que combatiam a produção dos transgênicos que tantos riscos podem trazer a nossa saúde; que lutavam pela realização de uma reforma agrária profunda, imprescindível para desmontar a miséria brasileira; que esperavam uma real recuperação da res publica contra a política de privatizações dos anos 1990, enfim, pelo início de um programa efetivo de mudanças, com prazos e caminhos construídos com sólida impulsão popular e social, é imperioso constatar que a primeira "reforma" do governo Lula, logo em 2003, foi a (contra)reforma de previdência pública e sua privatização, foi agendada pelo FMI, imposição que o governo aceitou sem resistência, desestruturando um setor importante da classe trabalhadora brasileira, composta pelos funcionários públicos e que havia sido, até então, um dos pilares de sustentação do PT, particularmente no dificílimo período da ditadura militar.
E, ao fazer isso, o governo Lula teve que derrotar cabalmente, exemplarmente, a ação dos trabalhadores públicos, escolhidos pelo governo como elemento causal da tragédia brasileira. Sua força não se voltou contra os capitais financeiros, contra os capitais transnacionais, contra os proprietários agrários, contra as privatizações que desmontaram o setor produtivo estatal e os serviços públicos, mas contra os trabalhadores do espaço público, um dos raros espaços onde se preserva a dignidade dos assalariados e se tenta obstar o flagelo dos mercados.
E, de lá para cá, a política de superávit fiscal se acentuou, seguindo o receituário do FMI, que não cansa de citar o governo Lula como exemplo da América Latina; a produção do país foi essencialmente voltada para a remuneração do capital financeiro nacional e transnacional, além do grande capital produtivo.
Por que tal fenômeno se efetivou? Por que ao invés do início da descontinuidade e ruptura com o neoliberalismo, o governo de Lula do PT postou-se como expressão forte de sua continuidade ?
As explicações são, por certo, complexas, mas se encontram em grande medida na contextualidade vivenciada na década dos 90, onde pudemos presenciar movimentos de grande amplitude: 1) a proliferação do neoliberalismo na América Latina; 2) o desmoronamento cabal do "socialismo real" e a prevalência equivocada da tese que propugnava pelo "fim do socialismo"; 3) a socialdemocratização de parcela substancial da esquerda e seu influxo para a agenda social-liberal , eufemismo que a certa "esquerda" usa quando pratica o neoliberalismo.
Como o PT sofreu esse processo? Responder a essa questão é condição para entendermos o que vem se passando no caso brasileiro e sua esquerda dominante.
II
O PT parece completar seu ciclo e chegar à maioridade política: nascido no seio das lutas sociais, sindicais e da esquerda do final dos anos 70, o jovem partido surgia, então, sob o signo da recusa, tanto do "socialismo real", quanto da socialdemocracia, sem migrar para o capitalismo. Sua vitalidade decorria do forte vínculo com as forças sociais do trabalho. A década de 80, que tantos consideram como a "década perdida" no Brasil, para o mundo do trabalho foi um período de criação e avanço. Bastaria lembrar que ali floresceram, além do PT, da CUT e do MST, uma pletora de movimentos sociais e sindicais, dos campos e das cidades, que irrompiam pela base, questionando nossa trajetória quase prussiana, autocrática, cujos estratos "de cima" expressavam um universo burguês ao mesmo tempo agressivo e medroso, elitista e insensível.
Nos anos 1990, a década da desertificação neoliberal, uma tormenta se abateu sobre o nosso país. Tivemos privatização acelerada, informalidade descompensada, desindustrialização avançada e financeirização desmesurada. Tudo em conformidade com o figurino global. Se o governo Collor foi marcado por uma espécie de semi-bonapartista aventureiro, fonte inesgotável de irracionalidade, com Fernando Henrique Cardoso e sua "racionalidade acentuada", o país descarrilou nos trilhos do social-liberalismo, quando não do próprio neoliberalismo, uma vez que essa distinção é mais semântica do que real.
O PT sofreu essa tempestade, nos anos 1990, oscilando entre a resistência ao desmonte e a aceitação da política da moderação. Lutava contra o receituário e a pragmática neoliberais, mas aumentava sua sujeição aos calendários eleitorais, atuando cada vez mais no leito da institucionalidade. De partido contra a ordem foi se metamorfoseando em partido dentro da ordem. As derrotas eleitorais de Lula em 1994 e 1998 intensificaram seu transformismo, enquanto o Brasil também se modificava profundamente.
No apogeu da fase da financeirização do capital-dinheiro, do avanço tecno-científico, do mundo digital e quase espectral, onde tempo e espaço se convulsionam, o Brasil vivenciava uma mutação do trabalho que alterava sua morfologia, da qual a informalidade, precarização e desemprego, ambos estruturais, são expressões. Ingressávamos, então, na simbiose entre a era da informalização do trabalho e da informatização do capital.
Quando Lula venceu as eleições em 2002, ao contrário da potência criadora das lutas sociais dos anos 1980, o cenário era de estancamento em meio a tanta destruição. Sua eleição foi, por isso, uma vitória política tardia. Nem o PT, nem o país eram mais os mesmos. O Brasil estava desertificado enquanto o PT havia se desvertebrado. A Carta aos Brasileiros, assinada pelo PT em plena campanha eleitoral era uma clara demonstração de que o governo do PT seria fiador dos grandes interesses do capital financeiro, sob o comando do FMI. Por isso ela se tornou conhecida pelos seus críticos como Carta aos Banqueiros...
Por isso, a política que o governo do PT vem implementando, desde seu primeiro mandato (2002-6), é expressão de seu transformismo (Gramsci) e sua conseqüente adequação à ordem. Mas, a intensidade da subordinação ao financismo, ao ideário e à pragmática neoliberais, deixaram estupefatos até seus mais ásperos críticos: o governo do PT manteve pelos quatros anos uma política econômica que preserva o desemprego e a informalidade, com poucas oscilações, acentuando uma política exclusivamente assistencialista, chamada Bolsa-Família, que oferece uma renda, em média entre 8 a 40 dólares por mês para as famílias de baixíssima renda. Sua postura em relação aos transgênicos curvou-se às transnacionais e sua ação contra a previdência pública foi a visceral negação de todo seu passado, gerando catarse junto aos novos operadores dos fundos de previdência que vislumbram a feliz confluência do mundo financeiro com o sindicalismo de negócios. Nenhum elemento estrutural que preserva a miséria brasileira, nenhum aspecto da realidade desigual, nenhum interesse do capital (seja financeiro ou industrial ou ainda de serviços) foi sequer minimamente arranhado.
Ao contrário, o governo Lula mostrou enorme competência em dividir os trabalhadores privados em relação aos trabalhadores públicos. Se não fosse trágico, poder-se-ia dizer que o partido que nasceu na luta de classes (PT) converteu-se no partido que incentiva a luta intra-classe.
Claro que para tanto foi necessário repetir a história anterior, dos "processos e depurações", que levou o PT dominante a expulsar a coerência para preservar a subserviência, expulsando três parlamentares, a senadora Heloísa Helena e os deputados Luciana Genro, Babá e João Fontes.
O mais exitoso partido de esquerda das últimas décadas, que tantas esperanças provocou no Brasil e em tantas outras partes do mundo, assemelha-se hoje ao New Labour da velha Inglaterra. Acabou por se converter num partido da ordem, exauriu-se enquanto partido de esquerda, capaz de transformar a ordem societal, para se qualificar enquanto gestor dos interesses dominantes no país. Converteu-se num partido que sonha em humanizar o nosso capitalismo, combinando uma política de privatização dos fundos públicos, atendendo tanto aos interesses do sindicalismo de negócios quanto especialmente aqueles presentes no sistema financeiro nacional e especialmente internacional que efetivamente dominam.
III
O que podemos esperar, então, do segundo governo Lula?
A política de alianças ilimitadas, com todos os setores de centro, de direita e mesmo de extrema-direita, mostra que qualquer ilusão em relação ao segundo governo Lula, ou é má fé ou completa desinformação. Consolida-se, mais uma vez, o triste processo de cooptação do que de melhor as classes trabalhadoras criaram nas últimas décadas.
A política econômica, por exemplo, em benefício dos capitais financeiros e do grande capital produtivo, vem reiterando a dependência aos ditames do FMI. A concentração da terra se mantém. O sentido público e social do estado está sendo, passo à passo, desmantelado. A maior virulência praticada pelo governo do PT foi, como dissemos acima, dada pelo desmonte da política de previdência pública e sua privatização. A política dos transgênicos curvou-se, como também já dissemos anteriormente, à pressão das transnacionais, como a Monsanto. A política externa, particularmente em relação aos EUA e o governo Bush, que deveria ser de frontal oposição e confronto, é de conciliação, quando não de adesão. Procura equilibrar-se entre a esquerda - Chavez, Morales e Fidel Castro - e o pior da direita, como os governos da Colômbia, México e os EUA.
Se isso já não bastasse, Lula ainda tentou, em meados de seu primeiro mandato, defender a flexibilização das leis de trabalho, como os capitais transnacionais estão exigindo. Só não levou à frente seu propósito pela eclosão da crise de corrupção que atingiu a alma de seu governo. E sabemos que os capitais globais estão exigindo, cada vez mais, a flexibilização dos direitos do trabalho, forçando os governos nacionais a se ajustarem à fase da acumulação flexível. Flexibilizar a legislação do trabalho significa, não é possível ter nenhuma ilusão sobre isso, aumentar ainda mais a precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial na Inglaterra e especialmente pós-1930, quando se toma o caso brasileiro.
Como a lógica capitalista é acentuadamente destrutiva, os governos nacionais estão sendo cada vez mais pressionados a adaptar sua legislação social às exigências do sistema global do capital, aos imperativos do mercado, destruindo profundamente os direitos do trabalho.
É esse cenário que, depois de inúmeras tentativas feitas durante o período FHC, o FMI exigirá do segundo governo Lula a retomada do projeto de flexibilização de legislação sindical e trabalhista no Brasil. Se durante os anos 1990, houve forte oposição dos sindicatos, especialmente vinculados à CUT e ao PT, contra esses projetos, agora presenciamos o inverso: atrelados ao governo, os setores dominantes da CUT e do PT são os maiores defensores das propostas do governo Lula, sejam elas quais forem. Tudo em nome da chamada "governabilidade".
Com o segundo mandato de Lula trata-se de destruir a coluna vertebral da legislação social brasileira, no que ela ainda tem de positivo, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Por isso, a reforma trabalhista, elaborada pelo Fórum Nacional do Trabalho, com representantes dos "trabalhadores, empresários e governo", todos escolhidos pelo governo do PT, é antípoda daquilo que era defendido pela CUT e pelo PT durante os anos 1980. Numa síntese, é a negação da autonomia, da liberdade e da independência sindicais. Dividida em duas partes, o desmonte começa pela reforma sindical. Depois viria a reforma trabalhista, na onda da desconstrução global. Ela tem pelo menos três pontos nefastos.
Primeiro: é extremamente cupulista, transferindo para as centrais sindicais o poder de negociação de direitos dos trabalhadores, restringindo a participação dos sindicatos e das assembleias de base para a realização dos acordos de classe.
Segundo: as centrais passam a ser definidas a partir da sua representação, o que fere qualquer possibilidade de exercício de autonomia e liberdade sindicais, ao estabelecer limites mínimos para a representação dos sindicatos.
Terceiro: o imposto sindical e as contribuições assistenciais são substituídas pela chamada Contribuição de Negociação Coletiva, ferindo-se o desejo fundamental do sindicalismo autônomo que é a cotização livre e voluntária dos trabalhadores para a manutenção dos sindicatos. Trata-se de trocar gato por lebre, para manter a velha (e também a nova) burocracia sindical que sustenta há anos o chamado peleguismo sindical.
Trata-se, portanto, de uma "reforma" que preserva e intensifica o verticalismo, o cupulismo, o burocratismo das centrais sindicais, tolhendo o nascimento de novos organismos de base e restringindo ainda mais a ação autônoma dos trabalhadores.
IV
Mas a crise política do governo Lula, presente na corrupção intensa desencadeada pela cúpula do PT e do governo Lula foi ainda mais profunda, atingindo o próprio coração do poder. Crise que quase levou o PT e seu governo precocemente ao fim e só a custa de fortes interesses econômicos e políticos dominantes - que não queriam turbulência política que pudesse alterar a política econômica do governo - foi que permitiu apoio para Lula poder terminar seu primeiro mandato sem ruptura.
Mas, a reedição, neste segundo mandato, da política de aliança de classes com todos os setores, é clara reprodução do quadro anterior. Em termos eleitorais, a população, ao votar em Lula no segundo mandato, preferiu, majoritariamente, dar-lhe a vitória, para impedir o retorno do esquema PSDB e PFL, partidos da direita brasileira, que sempre tiveram uma política elitista e de clara insensibilidade social. A amplitude do assistencialismo do governo Lula, aliado à preservação integral dos grandes interesses dominantes, preservados, garantidos e mesmo ampliados durante o governo Lula, fechou um circulo favorável à sua reeleição. Mas é evidente que a crise pode retornar e mesmo se agravar, tanto no plano interno, quanto no plano externo, se a retração econômica dos EUA atingir dimensão mais acentuada.
Favoreceu também o primeiro governo Lula, a vigência de um cenário econômico internacional dos mais favoráveis, o que não se pode esperar tão facilmente no segundo mandato. Mas é visível que os movimentos sociais, como o MST (sem terra), dos operários, do sindicalismo de esquerda, dos sem-teto, dentre tantos outros, tendem a exigir do governo Lula o que ele não está disposto a realizar. O que nos permite antever uma ampliação das lutas sociais e políticas no Brasil atual.
Como conclusão podemos afirmar que o mais expressivo partido de esquerda do Brasil soçobrou vertiginosamente frente aos ditames e encantos da ordem dominante. Não ofereceu nem mesmo uma única opção alternativa e contrária à pragmática dominante, que riscasse um pouco o receituário do superávit, do ajuste fiscal, da defesa dos bancos e finanças globais, do incentivo aos capitais voláteis etc. A Bolsa-Família, que puxou os votos em Lula, nas eleições de 2006, é de um assistencialismo que há alguns anos atrás seria recusada até mesmo pelos setores localizados mais ao centro do espectro político, tal sua insuficiência. É incapaz de arranhar minimamente a estrutura geradora da miséria e da barbárie social. Passa longe disso.
Na contextualidade política marcada pelo neoliberalismo, financeirização e mundialização do capital, desregulamentação e precarização do trabalho, o segundo governo Lula procura sustentar-se numa política de "coalização" com os setores mais tradicionais da direita brasileira que foram - e ainda são - responsáveis pela perpetuação da dominação burguesa no Brasil, para não falar da corrupção privada e política que sempre sustentou e preservou estes mesmos interesses dominantes.
Se esse é o quadro político brasileiro, torna-se claro o novo desafio da esquerda: a criação de um pólo social e político de base, que não tenha medo em oferecer ao país as causas reais, profundas, históricas e estruturais, de nossas mazelas sociais e políticas. E, desse modo, que se insira nas lutas sociais e políticas da América Latina, ajudando a retomar o dilema do século XXI, que nos obriga, uma vez mais, a repor a questão do socialismo. Tema que o governo Lula e o PT dominante abandonaram, faz tempo...
* Professor de Sociologia do IFCH/UNICAMP (Brasil) e autor de, entre outros, Los Sentidos del Trabajo (Ed. Herramienta, Argentina); Adios al Trabajo? (Ed. Herramienta, Argentina); Lavoro in Tràppola (Jaca Book, Milão); O Caracol e sua Concha (Boitempo, São Paulo) e A Desertificação Neoliberal no Brasil (Ed. Autores Associados, Campinas), entre outros livros. Colabora regularmente em revistas estrangeiros como Margem Esquerda (Brasil), Herramienta (Argentina), Trajectórias (México), Latin American Pespectives (EUA), Proteo (Itália) e Asian Journal of Latin American Studies (Coréia).
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