Brasil: la izquierda solo se defiende y no ataca [Roberto Romano - entrevista en portugués]

Ernesto Herrera germain5 en chasque.net
Lun Ene 8 10:31:34 GMT+2 2007


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boletín informativo - red solidaria de revistas
Correspondencia de Prensa
Año IV - 8 de enero 2007 - Redacción: germain5 en chasque.net

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Brasil

Entrevista a Roberto Romano

"Desde longa data, a esquerda só se defende e não ataca"

Mateus Alves e Valéria Nader

Correio da Cidadania Nº 531
http://www.correiocidadania.com.br/


Nesta edição retrospectiva de 2006, o Correio da Cidadania traz entrevista com Roberto Romano, professor do departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Romano analisa a reeleição de Lula, traça os rumos tomados pelos movimentos sociais no ano que termina e faz suas previsões para o novo mandato petista no Planalto, além de observar a atuação da esquerda no Brasil de hoje.

Correio da Cidadania: A reeleição de Lula em 2006 foi para o senhor uma surpresa? O que a teria garantido de forma mais proeminente, a seu ver?

Roberto Romano: Em primeiro lugar, não foi surpresa. Estava evidente que Lula seria reeleito desde o momento em que começou a andar pelo Brasil fazendo campanha em pleno cargo, utilizando inaugurações de obras públicas, fazendo comícios fora do tempo e contra a lei. Sabia também que Lula era uma pessoa que conseguiria reverter a situação adversa pela qual passava, já que possui uma capacidade de sobrevivência política que raros brasileiros do ramo têm.

O segundo ponto se deve justamente a uma desenvoltura da qual ele é dotado para desobedecer à lei e depois dizer que não sabe de nada. Além disso, utilizou-se de uma propaganda absolutamente dirigida, retoricamente enviesada e cínica, servindo-se de um conjunto de valores nacionalistas que ainda existiam na classe média, na classe pobre e sobretudo entre os intelectuais para jogar toda essa massa a seu favor.

O último fator, que não é o menos importante, é justamente o fantástico apoio que teve das elites de que tanto fala mal. Ele foi o candidato preferido dos grupos dominantes - evidentemente, Alckmin também tinha uma parte das elites a seu lado. Esse foi o seu grande trunfo: falava em espetáculo do crescimento, mas sabia - e aí há um dolo absolutamente insuportável para as consciências retas - que este não viria, pois tinha um compromisso selado com o setor bancário. Foi mais uma fraude eleitoral de Lula em conivência com a elite financeira do país.

Posso citar também, como um último ponto que proporcionou a reeleição de Lula, a consciência dos setores intelectuais mais à esquerda, que foi manipulada e se deixou manipular.

CC: Em um cenário marcado por extrema desertificação de idéias, percebe-se, já há alguns anos, que as análises retrospectivas dos anos que se vão não trazem grandes novidades, pelo menos, as alvissareiras: crescimento pífio, escândalos políticos, desmobilização social e descrença popular generalizada repetem-se sucessivamente. O senhor acredita que 2006 foi diferente?

RR: O ano foi fértil em aumentar esse ceticismo observado anteriormente. No entanto, não diria que isso é um problema proveniente do presidente da República ou do Partido dos Trabalhadores, mas sim um problema que existe em todo o Estado brasileiro, cujos três componentes - Executivo, Legislativo e Judiciário - deram passos vigorosos para se afastar da cidadania.

Não é por acaso que, em pesquisas sobre a consideração dos brasileiros e dos sul-americanos pela democracia, 37% dos entrevistados se mostraram favoráveis a um regime ditatorial. Esses índices diminuíram um pouco, mas nada que seja significativo; continua existindo - e aumentando tendencialmente - esse fosso entre os que pagam impostos e os que supostamente deveriam ser, na democracia, os seus funcionários.

Temos por exemplo, no Judiciário, um Conselho Nacional de Justiça que defende mais os seus salários e seus interesses privados, particulares e corporativos do que enfrenta as grandes crises da República. No Legislativo, há esse absoluto deboche das absolvições no caso do mensalão, das denegações de voto claro e aberto e esse aumento absolutamente estapafúrdio dos vencimentos dos parlamentares - que, aliás, segue a mesma tendência observada no Judiciário.

Tudo isso certamente não trará bons augúrios para o Brasil. Eu gosto sempre de lembrar, e isso contra muita gente que gosta de criar uma consciência feliz e mentirosa, que o golpe de Estado em 1964 teve o apoio de boa parte da população brasileira. Se naquele momento, com o nível de corrupção que existia - é bom lembrar que os golpistas disseram que iriam lutar contra os comunistas e também contra a corrupção -, havia uma espécie de saturamento da cidadania em relação aos representantes, hoje a coisa é muito pior.

Tenho muito receio que tenhamos no horizonte uma aventura populista que pode ser à esquerda, à direita ou ao centro. Essa aventura, se prometer fechar o Congresso, terá o apoio de boa parte da população do Brasil, e isso é lamentável.

CC: É corrente a avaliação quanto à desmobilização a que foram levados a sociedade civil e os movimentos sociais ao longo do mandato de Lula. Qual a sua avaliação quanto à atuação desses movimentos nesse ano de 2006? Houve algum tipo de rompimento com a inércia anterior?

RR: Veja, cada movimento está em um momento, cada um tem o seu problema estratégico. Se os tratamos abstratamente e generalizarmos, parecerá que todos fazem a mesma coisa, e por isso é bom analisá-los separadamente.

Um movimento que não se desarmou e se manteve como uma referência nacional, tanto do ponto de vista ético como político, foi o movimento ecológico. A ministra Marina Silva é um dos poucos integrantes do governo Lula de quem não há do que se envergonhar - pelo contrário, há muito do que se orgulhar.

CC: Mas algumas figuras tradicionais da esquerda ligadas ao meio ambiente criticam de forma ostensiva a atuação da ministra.

RR: Bom, eu estou pensando em sua média dentro do ministério, não estou comparando com quem está fora dele. Há uma linha que chegou ao poder e está tentando fazer tudo contra um governo que possui uma aliança estratégica com os grandes produtores do agronegócio, e aqueles que estão dentro da sociedade civil e fazendo críticas à ministra. Isso mostra que o movimento não está desarmado, que tem a sua presença.

Já o movimento estudantil é quase uma piada. Ele não existe e é quase totalmente dirigido pelo governo, está totalmente cooptado. Quem militou no movimento estudantil como eu, que o fiz desde 1962, sabe identificar perfeitamente quando se fala com uma pessoa cooptada pertencente a um movimento inexistente.

CC: As manifestações ocorridas na cidade de São Paulo em protesto contra o aumento da tarifa de ônibus não ocorreriam, então, se o governo paulistano pertencesse ao PT?

RR: Exatamente, não. O presidente da UNE faz parte do Conselho da República. Você ouviu alguma manifestação dele contra o corte de recursos do CNPq e do CAPES? Nenhuma. É realmente um movimento que está nas mãos de aparelhos políticos, com uma mentalidade extremamente estrita.

Sobre o movimento negro, existem setores excelentes, que continuam a sua luta, e há setores que atenuaram a sua capacidade de ataque esperando que o governo realizasse modificações estruturais que os beneficiariam - caso da confiança no ProUni por parte daqueles que defendem as cotas. É um escândalo que alguém que sempre defendeu a escola pública, gratuita, de qualidade, republicana e universal, e que se transformou de repente num grande aliado do governo que está dando milhões para os industriais da educação de terceiro grau, não seja criticado pelo movimento negro.

Entende-se a situação do movimento e a delicadeza da questão, mas não por que essa interrupção da crítica quando se trata do ProUni. Isso é complicado e precisa ser dito para o movimento negro, pois uma coisa é o governo, outra coisa é o tipo de trato que o governo está tendo com os donos do país.

Itamar Franco, através do ministro Murilo Hingel, fechou o Conselho Federal de Educação pelas mesmas coisas que nele ocorrem hoje. Em São Paulo, há universidades que simplesmente implementaram um curso de Direito de forma ilegal, sem autorização das instâncias governamentais - e os mesmos que fizeram isso têm assentos no Conselho!

São questões desse tipo que são insustentáveis, não apenas do ponto de vista do antigo programa do Partido dos Trabalhadores, mas de toda a tradição de luta pela educação que vem desde Florestan Fernandes e Anísio Teixeira. O que se faz é encher as burras desses empresários do ensino privado, dizendo que isso é uma maravilha e até usando tal fato como propaganda. E não há uma palavra crítica do movimento negro em relação a isso. Eu sei que é polêmico o que eu digo, mas é preciso justamente uma polêmica para se chegar a algum consenso menos ambíguo nessa República.

CC: E em relação ao movimento sem terra no país, como o senhor avalia suas ações em 2006?

RR: Os sem terra continuaram a sua luta. Inclusive, acredito que estejam em um compasso de espera, pois tiveram uma atitude de não atrapalhar a reeleição do presidente, com um recuo tático. No entanto, sabem que, devido à aliança do Planalto com o agronegócio, terão que forçar o governo para que suas reivindicações sejam atendidas. Particularmente, acredito que, com tal aliança, podemos esperar nas próximas ocupações uma participação mais forte da polícia em termos de repressão ao MST e outros movimentos.

CC: Qual a sua opinião quanto aos movimentos populares e setores autenticamente de esquerda que se decidiram pelo apoio crítico e condicionado a Lula no segundo turno? Esse apoio pode ter criado algum tipo de cumplicidade positiva para o futuro?

RR: Acredito que, nesse ponto, é preciso utilizar a linguagem antiga do marxismo: existem condições objetivas e condições subjetivas. As condições subjetivas foram empreendidas e os movimentos que apoiaram a reeleição esperam que o governo não retribua com opressão. Isso é o mínimo.

Agora, as condições objetivas são independentes, inclusive da vontade dos líderes desses movimentos. Por exemplo, se o governo continua a não prestar atenção à questão agrária, a não tomar atitudes voltadas à reforma agrária e privilegiando o agronegócio, é evidente que um momento de luta vai ocorrer, e aí ficará clara a posição do presidente. Se me perguntar honestamente o que acho, creio que Lula terá toda a latitude de chamar a polícia para reprimir o MST.

CC: Em entrevista concedida ao Correio no começo desse semestre, quando a reeleição parecia garantida já no primeiro turno, o senhor prognosticou um governo subjugado pelas oligarquias regionais do PMDB. Como acredita que transcorrerá, politicamente, o segundo mandato de Lula?

RR: Essa "previsão" que fiz é o que está acontecendo hoje, infelizmente minha bola de cristal funcionou. O segundo mandato será muito complicado, pois as oligarquias peemedebistas - que têm o seu correspondente na oposição nas oligarquias do PFL - possuem um longo treino de controle das instituições públicas regionais e nacionais, não brincam em serviço. São profissionais no assunto. Veremos como Lula irá distribuir cargos e ministérios; a fome de poder do PMDB é imensa, e todas as alas do partido têm a intenção de apoiar o presidente esperando o retorno em cargos.

É bom lembrar que a expressão "é dando que se recebe" foi criada no seio do PMDB. Se o presidente conseguir desalojar o PT de muitos cargos em estatais, ministérios etc., e se conseguir colocar o PMDB em uma posição privilegiada, terá pelo menos dois anos para realizar o seu programa. Nesse momento, eu digo para você que meu temor é se ocorrerá a flexibilização das leis trabalhistas, a diminuição do peso do orçamento da saúde - colocando o saneamento base como parte desse mesmo orçamento -, e se a coisa seguirá o mesmo caminho de embromação na questão do ensino público.

Caso Lula tenha esse apoio sólido do PMDB, é isso o que fará, algo que agrada profundamente as elites do país, pois estará sendo cumprido o "programa" a elas prometido.

CC: A surpresa do segundo turno levou o candidato petista, ainda que estrategicamente, a acirrar a polarização do cenário eleitoral, tomando a crítica às privatizações como fio condutor dessa polarização. O senhor acredita que isso terá algum reflexo na próxima gestão?

RR: Não terá nenhum. O que se nota no PT, pelo menos desde a "Carta aos Brasileiros", é uma disposição de fazer todo o serviço necessário para as políticas macroeconômicas e outras que interessam às elites. Há um realismo absoluto, uma falta de trato com valores. Tornou-se quase um refrão do presidente da República ou caçoar ou ironizar ou indicar como loucura todos os valores carregados pela esquerda até os dias de hoje.

Lula exibe uma espécie de "corrosão ética" causada pelo realismo político. Quem estuda história sabe o resultado disso: sempre que há governantes que operam sem referências axiológicas e valorativas, o resultado é um autoritarismo muito grande a serviço de alguns setores da sociedade que se posicionam contra a maioria. Nesse caso, isso está explícito; para cumprir as exigências do setor financeiro e industrial, Lula tentará novamente uma depuração da reforma da Previdência e a flexibilização dos direitos trabalhistas. Dado o que o presidente já exibiu de ousadia, a CLT será duramente atacada em 2007.

CC: Como será, em sua opinião, a atuação da oposição ao governo petista durante os anos do próximo mandato?

RR: A oposição terá um trabalho duro pela frente. Nesse momento, você tem uma maré montante; lembro-me que, no início do governo Collor, boa parte das universidades aderiu ao governo de plantão, e houve uma espécie de inexistência da oposição. O único partido que se opôs com firmeza ao presidente, que depois sofreria impeachment, foi o PT. Hoje, não consigo ver nenhum partido que tenha essa firmeza e a amplitude que o PT teve.

No caso do PFL, trata-se de um partido que é uma federação de oligarquias regionais, mas cujos líderes foram duramente batidos ou se afastaram - caso de Antônio Carlos Magalhães e de Jorge Bornhausen. Marco Maciel sempre foi uma pessoa conciliadora, sempre afeita a gestos espetaculares de oposição. Sobra o César Maia no Rio de Janeiro, mas ele não possui abrangência nacional.

Já os tucanos, como era de se esperar, estão em pleno namoro com os primos petistas. Fazem tudo para que o programa do presidente da República seja cumprido, pois nisso eles são iguais: ambos defendem a flexibilização das leis trabalhistas e tudo o que se chama de "modernização". Ambos têm o mesmo programa, fato que faz com que, no Congresso, o PSDB não seja exatamente oposição.

Além disso, o PSDB perdeu a dimensão de Estado que seria alternativa à trazida pelo grupo petista no poder. O único setor que possui uma visão de desenvolvimento econômico e de modificação do Estado alternativa é o grupo liderado por José Serra; talvez se possa entrever alguma oposição a partir de São Paulo, mas convém lembrar que o governador do estado terá suas mãos atadas, do ponto de vista fiscal, pelo governo federal - e isso faz com que também não se possa esperar de Serra uma oposição virulenta.

Aécio Neves, por outro lado, continua sua lua de mel com o presidente Lula, na esperança de que possa ser indicado para sucedê-lo. Aí será mais uma desesperança que conheceremos e mais uma falta de compromisso com o papel de oposição que deveria desempenhar. Se o governo de São Paulo, o governo de Minas Gerais e o governo do Rio Grande do Sul se unissem na oposição, seria uma frente respeitável, mas todos estão entregues ao Ministério da Fazenda.

CC: Quem é, essencialmente, a esquerda no país hoje? Como o senhor avalia a sua atuação nesse ano eleitoral?

RR: Há um bom tempo costumo definir a esquerda e a ex-querda. Às vezes, determinada pessoa começa um discurso ou uma prática com o "s" e termina com o "x"; Lula é um bom representante da ex-querda.

Eu diria que são muito poucas as lideranças de esquerda que têm representatividade popular e condições de mover multidões em termos eleitorais. Felizmente, a cláusula de barreira não passou, e o PSOL terá uma oportunidade de se expandir sem a popularidade de uma pessoa só, como foi o caso de Heloísa Helena.

Por outro lado, sobra muito pouco de membros da esquerda com "s". Dentro do PT, existem grupos que se dizem como sendo de esquerda, mas se calam frente às atitudes e decisões do grupo dominante e do governo. Estive recentemente com Raul Pont, em Porto Alegre, e observei algo que alcançava níveis esquizofrênicos: ao mesmo tempo em que criticava Lula, apoiava o governo e a caçada à imprensa que promovem. A esquerda dentro do PT está de tal maneira dividida, inclusive mentalmente, que acaba com suas possibilidades de criar uma estratégia única de atuação nacional. Há também alguns grupos trotskistas dentro do PT, mas esses nunca chegaram a empolgar nem mesmo a máquina petista.

O PCdoB, o PDT e outros, eu me recuso a considerá-los como representantes da esquerda clássica. Uma coisa é o discurso, mas os atos desses partidos mostram que eles têm muito pouco dos ideais democráticos da esquerda e têm muito de realismo político - para não utilizar outra palavra mais pesada.

Gostaria de salientar também, ainda sobre o mesmo tema, que existem diferenças entre as tendências e entre os indivíduos. Não gostaria de dizer que Aldo Rebelo, por exemplo, é uma pessoa sem características positivas, pois ele vem cumprindo bem o seu papel na Câmara, é um homem de muito diálogo. Mas ele pertence a uma máquina e não é um indivíduo isolado. Muitas vezes, essa máquina assume um ritmo e um modo de compromisso que atropela os seus próprios integrantes, sejam eles grandes ou pequenos.

CC: O que configuraria, no atual momento histórico, um autêntico e possível projeto de esquerda?

RR: O imaginário da esquerda é marcado pela Revolução Francesa, pelos ideais de liberdade, de igualdade e de fraternidade, e isso precisa ser repensado. O que vemos é que hoje ele é cada vez mais atenuado na esquerda mundial. Usam os ideais, mas fazem concessões cada vez mais graves em um plano conjuntural.

A esquerda precisa deixar de reagir à conjuntura, deixar de se prender nas armadilhas do cotidiano e precisa repensar a história do mundo hoje, quais as grandes linhas de força da vida, da cultura e da economia mundiais e verificar o que se pode fazer no Brasil. O método da Revolução Francesa precisa - e muito - ser ampliado; há pessoas na esquerda que não possuem sequer uma abertura intelectual para acompanhar o que faz seu inimigo. De cem pessoas que combatem o neoliberalismo, se duas leram textos de algum neoliberal é muito.

É necessário que se volte a um esforço de pensamento, a uma erudição. É bom lembrar que as grandes personalidades da esquerda da modernidade tinham uma cultura muito grande dos projetos que combatiam, e não apenas reiteravam suas próprias teses. Não existem, hoje, fóruns de trabalho que não sejam de reiteração de crenças - caso do Fórum Social Mundial. Ali há coisas admiráveis, mas há muito pouco trabalho de trocas intelectuais.

Se você analisa os textos de Marx, vê-se que ele era crítico-leitor extremamente aguçado de Ricardo e de Adam Smith. Lênin também, assim como Gramsci. Estes tiveram uma abertura para analisar e entender o que os donos do mundo faziam e, a partir desse conhecimento, propor um discurso e uma prática contrária. 

Resumindo, a esquerda não pode se contentar mais com manuais. Ou recupera essa dimensão de ciência, de conhecimento e de prática, ou irá morrer na praia, recitando slogans que apaziguam a sua consciência, mas que não mudam nada nas relações sociais. 

CC: Qual seria, a seu ver, ainda que idealmente, o caminho que abriria uma autêntica possibilidade de transformação em nosso país?

RR: Um elemento urgente seria que grupos variados, de dentro e de fora das universidades, criassem instâncias de análise de pesquisas e de divulgação de dados e propostas, de tal modo que não houvesse apenas uma resposta automática ao desafio, mas uma luta dirigida por idéias muito claras. Essa atitude reativa é algo muito sério e preocupante. Desde longa data, a esquerda está apenas se defendendo e não ataca.

Para atacar, é necessário conhecer o terreno do adversário, e para isso a esquerda precisa de uma dose imensa de diálogo interno. Os anátemas no interior da esquerda se tornaram cotidianos; se alguém discorda da análise de um guru qualquer, ele já se torna de direita, já virou tucano. Isso também precisa ser pensado, antes do xingatório e da classificação, através do retorno ao diálogo, do trabalho comum, da troca de informações, sem que a discordância se transforme imediatamente em anátema. Esse foi o elemento que desgraçou a esquerda durante o domínio do Partido Comunista soviético, que criou a intolerância dos partidos da esquerda e que resultou nessa miríade de grupos impotentes que não conseguem sequer fazer oposição a um partido importante como o PT.

É necessário não um desarmamento, não uma bondade, mas sim um trabalho refletivo de abrir a cabeça de um grupo em relação ao outro, esquecendo momentaneamente a lógica de sua facção e pensando mais na lógica de um todo. 
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