Brasil/ las rebeliones populares, el debilitamiento de Dilma, la crisis del PT [Ricardo Antunes - entrevista en portugués]

Ernesto Herrera germain5 en chasque.net
Sab Ago 24 13:18:49 UYT 2013


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boletín solidario de información
Correspondencia de Prensa
24 de agosto de 2013
Colectivo Militante - Agenda Radical
Montevideo - Uruguay
Redacción y suscripciones: germain5 en chasque.net
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Brasil

Entrevista a Ricardo Antunes

"Descontentamento monumental faz emergir era de rebeliões no Brasil"

"Enfraquecida, Dilma fica ainda mais refém do capital"



Valéria Nader e Grabriel Brito
http://www.correiocidadania.com.br/
 

Um dos grandes estudiosos do mundo do trabalho, o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes já havia dito, após o estouro da crise econômica internacional, quando eclodia a Primavera Árabe, que um novo tempo de ebulição social marcaria o início do século 21, a exemplo, porém não identicamente, do século 20. Pois bem. O capitalismo financeirizado e globalizado continuou buscando suas fugas para frente e, de fato, vieram as novas eclosões sociais, em todos os cantos do mundo, chegando finalmente ao Brasil, sede dos próximos megaeventos esportivos.

-Correio da Cidadania: Como você sente o atual momento do país, após as grandes e intensas manifestações país afora no mês de junho? Qual o sentido e perspectivas para os quais apontam estas manifestações?

Ricardo Antunes: As manifestações que começaram em junho e continuam hoje tiveram uma cara multiforme. Elas têm motivações, modos e formas de ser diferentes. Começaram no dia 6 de junho com 2 mil pessoas, ligadas ao Movimento Passe Livre, depois foram se ampliando, até atingirem manifestações multitudinárias, com dezenas e centenas de milhares de pessoas, chegando, no momento de auge, a mais de 2 milhões de manifestantes no conjunto do país. Depois, entramos em julho, com manifestações mais localizadas. Mas quase todo dia ainda temos expressões das mobilizações de junho.

Para mim, é preciso entender a causalidade desse movimento, passando por três ou quatro pontos que me parecem centrais. O primeiro é uma causalidade interna, motivada, digamos, pela percepção de que o projeto que vem se desenvolvendo no Brasil desde a década de 90 (com FHC, depois levemente alterado, mas não substantivamente, pelos governos Lula e Dilma), voltado ao desenvolvimento capitalista financeirizado e mundializado, sedimentado em privatizações, superávit primário e desregulamentação dos capitais, portanto, tendo os fluxos de capitais como modus operandi, causou, ou vem causando, profundo mal estar social.

E podemos dizer que tal processo de desenvolvimento chegou à sua exaustão. A população não suporta mais o transporte privatizado, a saúde precarizada, degradada e também privatizada, o ensino público profundamente degradado e abandonado. À exceção das escolas da elite, privadas mas com mensalidades exorbitantes, somente para as classes dominantes e classes médias altas.

A população, portanto, chegou ao seu ponto de saturação e esgotamento, causados por essa mercadorização da res publica, a privatização tipicamente neoliberal. Vale lembrar que também na Inglaterra tivemos a mesma saturação, levando à queda Margaret Thatcher, com a explosão contra o aumento do imposto, o chamado pool tax. Ainda que os quadros brasileiro e inglês sejam bastante diferentes, chega uma hora que tal processo exaure o seu sentimento de aceitação na população. É por isso que faço aqui a referência ao exemplo inglês. Em alguma medida, as explosões de junho estampam o exaurimento da população com tanto descaso.

Iniciamos uma fase de fim da letargia. Aconteceu e aí entra o segundo elemento, numa conjuntura muito específica: a explosão das manifestações foi marcada pela Copa das Confederações, quando a população percebeu que estádios de primeiro mundo o Brasil faz; enquanto isso, já no entorno dos estádios, a população é excluída. Todos vimos durante a "Copa das Rebeliões" que os pobres e negros não estavam presentes nos estádios. Estavam vendo os jogos nos estádios as classes médias e as camadas abastadas. Os que construíram o país nestas últimas duas décadas ficaram excluídos. Até mesmo do entorno do estádio, já que o comércio oficial da Copa expulsou a população que poderia explorá-lo, os camelôs, os 'bicos', aquele pequeno comércio que, para muitas pessoas, é a sobrevivência, a fim de se colocar somente aquilo que a FIFA impunha. A população percebeu que há uma simbiose complexa entre FIFA, interesses transnacionais e governo. E as prejudicadas, quem sofreu e vem sofrendo com tal processo, são as camadas populares. Isso fez com que houvesse, a cada jogo, uma ou muitas manifestações, muitas rebeliões, com muita conflagração, onde a população mostrava seu completo e cabal desconforto. Tudo fica evidente ao se ver que, ao menos desde que acompanho futebol, desde anos 60, não houve comemoração do título. Após a vitória contra a Espanha, não houve festejo, pois a insatisfação popular estava no limite.

Isso coincidiu num terceiro e importante movimento, relacionado ao cenário internacional. Desde 2008 vemos que todas as manifestações de massa - começando da Tunísia e indo à praça Tahrir (Egito), à praça Taksim (Turquia), voltando à Tahrir, passando pela Grécia, Itália, Portugal, França, Reino Unido, EUA, com o Occupy Wall Street, e Espanha, com os Indignados - têm como traço comum a ocupação do espaço público, das ruas e praças. Tal ocupação significa que a população não suporta mais a atual forma degradada de institucionalidade, seja no caso dos países do Oriente Médio com suas ditaduras, seja no caso dos países do ocidente com seu modelo de "democracia burguesa" só para os ricos. Há também um fosso muito grande entre a vontade popular e os interesses do parlamento. No caso brasileiro, por exemplo, o Congresso Nacional certamente é a instituição mais rejeitada pelo país hoje.

No caso internacional, naturalmente há um efeito demonstrativo para o conjunto de cada país: da Tunísia para o Egito, de lá para o Iraque e a Síria; da Espanha para Portugal; da Grécia pra Itália; de lá para o Reino Unido; depois, do Reino Unido para os EUA com o Occupy. Isto é, esse cenário de manifestações populares contra a destruição da res publica, contra a lógica de uma acumulação financeira ilimitada, além de destruição social e pública também ilimitada, uma hora teve um limite.

-Correio da Cidadania: Isso corrobora suas afirmações em entrevista concedida a nós em 2011, na qual afirmou que, assim como as placas tectônicas se mexeram no início do século 20, estávamos vivendo novos tempos de ebulição social, tão globalizada como o próprio capitalismo?

Ricardo Antunes: Sim, usando essa metáfora, as várias curvas que existiam em nosso país, de direções muito diferentes, se encontraram, todas elas, num ponto de intersecção representado inicialmente pelo 6 de junho, e esse ponto de intersecção gerou a ebulição. A percepção de projeto de governo de matriz ou neoliberal ou social-liberal começa a ruir.

Outro ponto: o mito da classe média mostrou-se muito mais mito que realidade. Vimos agora que os níveis de desemprego - ou, se quiserem, níveis de aumento de emprego - de algum modo começam a diminuir, sinalizando a diminuição dos ritmos de crescimento, que começam a chegar também aqui ao Brasil.

Esse cenário todo é, para mim, a explicação de fundo do monumental descontentamento e desta era das rebeliões em que adentramos no Brasil a partir de junho. Entre junho e julho, as grandes manifestações de massa migraram para manifestações nas periferias, ou manifestações contra os pedágios ou para outras motivações, como as contrárias ao brutal desaparecimento de Amarildo, no estado do Rio, onde os governos estão marcados por níveis aviltantes de descuido da gestão pública.

Vimos outro caso nos últimos dias: todo o espaço preparado, com muita verba pública, para a visita do papa, no cenário onde ele poderia fazer seu "festival", sua celebração, e que não foi usado, por causa da chuva e da lama. Quantos milhões foram gastos para preparar o espaço (que depois foi substituído pela praia de Copacabana)? Isso aflora, de novo, a destruição da res publica no Brasil.

Tudo isto num contexto em que muitos estratos da classe trabalhadora estão endividados, porque consumiram e usaram seu cartão. O cartão é um fetichismo espetacularmente perigoso. Gasta-se dinheiro que não se paga com papel-dinheiro. E o não uso do papel-dinheiro, para muitas pessoas, leva a certo nível de abstração, do tipo "no cartão eu pago depois". Mas, a cada dia não pago, se é lesado pelas altíssimas, explosivas e verdadeiramente saqueadoras taxas de juros dos cartões de crédito cobrados pelos bancos no Brasil. Esse é o cenário e o conjunto de questões sem os quais não dá pra entender o que se passa no país no momento.

-Correio da Cidadania: A reboque dessas manifestações, foi convocada a greve geral de 11 julho de 2013. Como avaliou a oportunidade dessa convocação, bem como os resultados dela advindos, em termos da participação de fato da classe trabalhadora e da juventude operária?

Ricardo Antunes: Aqui precisamos de um pouco de atenção na análise. As manifestações mais fortes que têm tido corpo no país nesse período recente são as de rua, puxadas pela juventude estudantil que trabalha ou pelo assalariado urbano que estuda, além de setores da periferia - e, por isso, diferentes da greve das universidades federais de 2012 ou das greves de Jirau e das obras do PAC, também grandes, e diferentemente ainda de 2012 no geral, marcado por muitas greves com reivindicações mais específicas e próprias da pauta sindical, salarial.

A greve de 11 de julho, então, precisa ser analisada com cuidado. Em primeiro lugar, a maioria das greves no Brasil, salvo exceções, não são momentos de grandes manifestações de massa nas ruas. Houve quatro grandes greves gerais no Brasil nos anos 1980 e não tivemos então grandes manifestações de massa nas ruas. Mas foram greves marcadas pela paralisação de setores importantes do país; bancos, indústria, setores do comércio etc.

Ainda não temos um levantamento cuidadoso de quais setores pararam no dia 11. Quais atividades foram mais ou menos afetadas? Sabemos, por exemplo, que foram importantes as paralisações de várias estradas e autopistas, portanto, dificultando o fluxo de mercadorias e pessoas. Precisamos saber o que se passou com a produção, bancos, comércio etc. Teremos análises mais profundas sobre a incidência dessa greve quando soubermos exatamente quais setores pararam ou não.

O segundo ponto é mais difícil. Das centrais sindicais que participaram, muitas são completamente atreladas aos projetos do governo e é difícil para a população entender como elas, que apóiam mais ou menos o governo (com a exceção clara da CONLUTAS e do movimento INTERSINDICAL), tornam-se, de repente, parte de um movimento de clara oposição a todos os governos.

-Correio da Cidadania: E como você analisa a entrada de tais centrais atreladas ao governo no embalo das mobilizações de rua? 

Ricardo Antunes: Essas manifestações de junho nasceram contra o sistema de governos existentes. Não foram manifestações especificamente contra a Dilma, ou contra o Alckmin, ou contra o Haddad, o Eduardo Paes, o Cabral. Mas foram, simultaneamente, contra todos. Contra o governo federal, contra os governos estaduais, contra os municipais, no caso do Rio até mais evidentemente. Depois, vimos as pesquisas mostrando o desmoronamento dos índices de aprovação de todos esses governos, de cima a baixo. E muitas das centrais sindicais estavam comprometidas com o projeto do governo.

Assim, como uma central comprometida com tais projetos vai pautar a rua? A CUT, por exemplo, acreditou piamente no mito de que o país estava mudando. Reproduziu o discurso lulista de que o país era de classe média, a classe trabalhadora estava feliz, tudo funcionava melhor... De repente, ficaram completamente aturdidos. É compreensível, portanto, que a maioria das centrais sindicais, por acreditarem no mito do país que dava certo, não podia ter grande sucesso no seu chamamento.

Desse modo, eu não gostaria de classificar a greve nem como vitória, nem como derrota. Ela tem de ser vista com um pouco mais de atenção. Os bancos funcionaram? O setor de transporte funcionou? As indústrias tiveram diminuição de suas atividades? Se o nível de paralisação em tais setores foi muito baixo, está configurada uma derrota

- Correio da Cidadania: E quanto às centrais independentes e de oposição, você diria que ficaram sem muito espaço pra operarem uma mobilização de sucesso?

Ricardo Antunes: As centrais que sempre fizeram oposição ao governo, como a Conlutas e o movimento denominado Intersindical, além de outros setores que têm estado desde o início do governo Lula em clara oposição, para não falar do governo FHC, ainda têm uma força minoritária, mas têm um amplo espaço para avançar.

As centrais que estão na órbita do governo tentaram mostrar o seu espaço, mas as manifestações que vemos não são manifestações lideradas pela institucionalidade, nem mesmo pela institucionalidade sindical. São manifestações de massa contra as formas burocratizadas e degradadas da institucionalidade.

Assim, coloco um outro ponto, para encerrar a análise da greve: elas, em geral, não costumam convergir em grandes manifestações de rua, salvo quando tínhamos as greves do ABC, em tempos passados e históricos do país. No ABC, as manifestações iam às ruas para entrar no estádio, à época de Vila Euclides, depois 1º de Maio, a polícia impedia e sempre havia confronto. Mas, salvo momentos de crise profunda, as greves no Brasil não são marcadas por grandes manifestações de massa na rua. Salvo, repito, aquelas greves de caráter político muito aberto, como na época da ditadura ou em outras greves do pré-64, claramente políticas. Em geral, quando bem sucedidas, são marcadas por maior ou menor adesão dos trabalhadores ao chamamento de suas centrais. Se o índice de paralisação é alto, torna-se vitoriosa em grande medida. Baixa adesão significa o inverso.

Como as centrais têm sido cooptadas, muitas delas pelo governo, burocratizadas e institucionalizadas, não é difícil concluir, com as exceções já citadas (e suas dificuldades por serem entidades de menor amplitude), que as paralisações de 11 de julho certamente não entraram no mesmo patamar, nem de longe, de força que tiveram as manifestações de junho, que atingiram dezenas e centenas de milhares de participantes em São Paulo e no conjunto do país, caracterizadas como grandes manifestações nas praças e espaços públicos.

-Correio da Cidadania: Face a este contexto, onde a vitalidade das manifestações da juventude contrastou com uma greve geral esvaziada, o que pode ser diagnosticado quanto à atual estrutura sindical, com traços evidentes de corporativismo, economicismo e atrelamento ao Estado?

Ricardo Antunes: O problema da estrutura sindical, formalmente atrelada ao Estado e burocratizada, deve ser adicionado a outro elemento central: o problema é das direções sindicais que aceitaram os chamamentos do governo lulista, aceitaram o caminho da servidão voluntária; lutaram e bateram palma para a extensão do imposto sindical às centrais, essa verdadeira aberração do sindicalismo, criado pela ditadura varguista, mas que gera muito dinheiro. Direções estas que acreditaram no projeto lulista.

O que vemos, na realidade, é que a cúpula das centrais, por problema de sua estrutura e, essencialmente, por suas concepções políticas, sindicais e ideológicas, altamente burocratizadas, submersas e atoladas no que já chamei de sindicalismo negocial de Estado, vive um momento difícil.

Claro que o problema tem causas complexas: a classe trabalhadora se metamorfoseou. Há uma nova morfologia do trabalho, coisa que já expus bastante em meus trabalhos. Essa nova morfologia nos apresenta categorias novas, que não existiam anteriormente: os trabalhadores do telemarketing, de call center, caixas de supermercados, da indústria de fast-food, enfim, um novo proletariado do setor de serviços, não industrial. Desses setores, muitos estão à margem da representação sindical ou não aceitam a representação tradicional. Portanto, estamos num momento de redefinição da concepção de sindicato.

-Correio da Cidadania: Mas qual tipo de redefinição na estrutura sindical você avalia como necessária e possível para os próximos anos?

Ricardo Antunes: Tenho dito há algum tempo que os sindicatos poderiam se inspirar mais nos movimentos sociais, ou seja, terem uma concepção mais horizontal, menos cupulista, menos burocratizada e mais afinada e sintonizada com as questões vitais que tocam seus representados. Quais são as questões vitais que vêm atingindo o cotidiano da classe trabalhadora brasileira: precarizados, precarizadas, terceirizados, terceirizadas, quarteirizados e quarteirizadas, e todos que estão inseridos na economia pautados por laços de informalidade?

A classe trabalhadora hoje é tanto masculina quanto feminina, como sempre foi. Há setores como telemarketing e call center nos quais 70% ou 80% de seu contingente é feminino; a classe trabalhadora hoje tem alguns de seus estratos (como os supermercados) marcados pela juventude; ela tem traços de gênero, geração e etnia. São todas questões que o sindicalismo precisa compreender. Não é estranho que uma categoria como o call center, cuja grande maioria é formada por mulheres, tenha as direções de seus sindicatos formadas por homens? E é só um traço, um exemplo.

Assim como na virada do século 19 para o século 20, quando nós saímos de um sindicalismo de ofício para um sindicalismo de massa, na transição para o século 21 nós devemos sair de um sindicalismo que começou como de massa, tornou-se profundamente burocratizado, institucionalizado e verticalizado, para um sindicalismo mais horizontal, que seja efetivamente representativo do conjunto da classe trabalhadora que ele pretende representar. Esse é o desafio mais vital do sindicalismo de classe hoje.

Por fim, é preciso também resgatar o sentido de pertencimento de classe, que obriga os sindicatos a compreenderem a nova morfologia da classe. E avançar em sua dimensão autônoma, de base, significa abandonar o sindicalismo negocial de Estado, que tem sido dominante pelo menos nas cúpulas sindicais mais próximas ao governo -as quais, vale acrescentar, se desenvolveram muito sob o lulismo.

-Correio da Cidadania: Como tem enxergado o atual governo nesta recente conjuntura? Seria exagerado pensar que estamos diante de um vazio de poder, com uma presidente refém de sua base no Congresso, especialmente do PMDB, afastada do PT e também sem o respaldo da base popular do partido? 

Ricardo Antunes: O momento é de dificuldade e mesmo de relativa crise. Vale lembrar: duas ou três semanas antes de as rebeliões começarem em São Paulo, Rio, Minas, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, o PT, na comemoração de seu aniversário, festejava o "novo país". Quando ocorrem essas manifestações, multiformes, polissêmicas, em alguns casos policlassistas, o governo é pego de modo completamente despreparado. Nos dias mais intensos de crise, não tinha a menor idéia do que fazer. O despreparo era de tal ordem que, depois dos levantes, as respostas foram propostas de plebiscito, para discutir com a população se o voto era distrital ou não etc. Para ver a dimensão do descompasso.

O parlamento brasileiro, ao mesmo tempo, se assustou, mas já se recompõe, seguindo seu curso à margem do que pensa a população. Em plena era das revoltas, na questão de direitos humanos, o Congresso votou e encaminhou o projeto, nefasto, popularmente chamado de "cura gay. Depois recuou. Podemos lembrar ainda que, há cerca de 30 dias, o PMDB fez um banquete, com dinheiro público, regado a camarão e champanhe, para avaliar a participação do partido no primeiro semestre! Quer dizer, não é a tragédia, é a farsa.

É evidente que essas manifestações atingiram duramente o projeto de governo do PT e atingiram duramente o governo Dilma. A cada nova pesquisa, a cada dia, a queda era ainda mais intensa. Claro que tal queda não é obrigatoriamente irreversível. Pode ter reversão, como estamos vendo nas novas pesquisas, porque nesse país a memória é rapidamente apagada, sem falar que há uma carência enorme de alternativas. Mas, ao mesmo tempo em que as quedas podem ser revertidas, podem ser até mesmo irreversíveis. Isto porque as manifestações afetaram também a oposição tradicional. Ninguém pode dizer que o PSDB ou DEM saíram beneficiados. O levante também é contra eles. As manifestações têm um sentido anti-política tradicional, anti-partidos políticos, aflorando um sentimento popular generalizado de que a "política não é o nosso campo" e "não é o campo de ação das classes populares". Entre aspas, claro. Isso cria o cenário de incertezas.

O governo Dilma está, então, sendo puxado pelo empresariado, que diz ao governo "vem para cá". Está pressionado pelas bases populares, solapando e mostrando que o projeto Lula-Dilma não tem, substantivamente, nenhum elemento a ser comemorado. Mesmo o Lula, que aparentemente perdeu menos, dentro dos quadros dominantes (excluindo a Marina), precisa tomar cuidados. Lula perdeu menos, mas também ficou de 6 de junho até meados de agosto, completamente mudo e calado e retornou à cena numa atividade do ABC. Por quê? Porque percebeu que sobravam respingos, ou enxurradas, para todos os lados, inclusive o dele. Ele voltou só depois de muitas semanas. E eis que ressurge. Esperou as pesquisas apontarem uma queda brutal da Dilma e voltou. Ele tem um nível de queda de popularidade inferior ao da Dilma, mas, assim como a criatura herdou o cacife político do criador, o criador poderá herdar o fracasso político da criatura.

Numa campanha eleitoral, como no ano que vem, de Copa do Mundo, se o cenário da Copa das Confederações voltar, a campanha eleitoral vai perguntar: "mas, afinal, quem trouxe para o Brasil a Copa das Confederações, a Copa do Mundo, as Olimpíadas, dizendo que esse país caminhava para o paraíso, quase uma Suíça tropical? Foi o Lula?". Isso vai ter consequências. Quer pela direita, quer pela esquerda, sendo muito diferente oposição de direita (pois uma parte importante desta apóia o governo e é parte dele) e a oposição de esquerda, que tem muitas dificuldades em buscar um novo caminho.

Ele vai levar chacoalhada de todo lado, numa eventual campanha. Por ora, acho sua candidatura uma hipótese pouco plausível, mas, como estamos ainda a um ano das eleições, só vamos ter um quadro mais preciso a esse respeito quando estivermos mais perto da época da campanha eleitoral.

-Correio da Cidadania: E o que acha das movimentações recentes de Lula, dando recados claros quanto à necessidade de 'profunda reformulação' no partido e até mesmo convocando grupos e movimentos atrelados ao PT para saírem às ruas e 'enfrentarem a direita'?

Ricardo Antunes: Sim, é claro. Mas o que podemos imaginar do Lula pedindo uma retomada do PT quando ele é o dono, o chefe e o rei do PT? Quando ele trata o partido como o seu partido? Ele disse várias vezes que só seria candidato, nas eleições anteriores, se ele definisse com quem se aliar, sem aceitar imposições.

É evidente que o Lula tenta dar sinais. Ele é um político da Ordem, mas muito qualificado. Vale lembrar que, lembrando Saramago e Thomas Mann, ele é uma espécie de homem duplicado - literariamente falando. Ele é uma espécie de camaleão político. Ele vai numa manifestação dos catadores de lixo, chama um trabalhador de lado e lembra sua origem operária. Se vai ao encontro dos banqueiros, dirá que eles ganharam dinheiro em seu governo como "nunca antes na história deste país".

Assim, o Lula também sabe que a crise atingiu duramente o PT. Se a crise do mensalão atingiu de forma devastadora a cúpula do PT, a crise atual atinge duramente o projeto político do PT no poder. O que não significa necessariamente (pois essa palavra não existe em política) que tal projeto será revertido.

Se formos olhar os levantes e revoltas no cenário europeu e do Oriente Médio, vemos diferenças relevantes. No Oriente Médio, na Tunísia, Egito e Iraque, os governos foram varridos do poder, ainda que o Egito mostre que eles são varridos e voltam de outras formas. Essas manifestações de massa tiveram clara, direta e forte incidência política na substituição do poder. Por isso foram verdadeiras revoluções democráticas, digamos assim, marcadas por um sentido forte e radical. Se olharmos, entretanto, a Europa ocidental, com exceção da Grécia, temos as rebeliões da periferia da Inglaterra, que se esparramaram por várias cidades e pelo Reino Unido, o Occupy Wall Street, os Indignados da Espanha, que foram manifestações de massa muito importantes, mas não tiveram incidência direta nos processos eleitorais.

Em Portugal, Espanha, França e Inglaterra temos visto eleitoralmente, quase repetidamente, um movimento pendular. Sai o conservador tradicional, entra a oposição, que se tornou neoconservadora. Sai a oposição neoconservadora, entram os conservadores tradicionais. Uma espécie de bipartidarização, que é quase uma bipartidarização de um sistema, provocativamente falando, de partido único. Porque são dois partidos que se digladiam para aplicar, essencialmente, a mesma política. Excluindo, aqui, o fato de que, de um lado, existe um verniz e, de outro lado, não existe. Mas por baixo do verniz está a madeira bruta, a lenha, que é a mesma.

-Correio da Cidadania: Desse modo, não podemos esperar grandes novidades em 2014, eleitoralmente falando?

Ricardo Antunes: Que consequências as manifestações populares terão no processo eleitoral brasileiro é difícil dizer. Olhando os cenários eleitorais dos países ocidentais, poderíamos dizer que têm tido, no geral, pouca incidência. É difícil que sejam gestadas - esse é o desafio, a nossa dificuldade - novas lideranças populares. A Marina rompeu com o PT e naturalmente ganha nesse quadro todo. Junto do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ela é a única política que sai ganhando. Porque o Campos é, entre aspas, um político aparentemente de "tipo novo". É a idéia que quer vender. O "discreto" charme do político do Nordeste. E a Marina ganha porque lidera um movimento partidário que recusa o nome partido. Ela sabe que essa denominação está desgastada, motivo pelo qual criou um partido que não tem o nome de partido, além de ter saído em tensão com o governo Lula. Portanto, não é associada diretamente ao seu governo, e sim à oposição, por ter rompido.

Mas olhando o nível de acordos, alianças e a programática da Marina, temos o discurso verde dentro da Ordem. E a Ordem está sendo duramente questionada nessas manifestações. Está sendo ainda mais agudamente questionada nas periferias, nos movimentos dos assalariados urbanos e da juventude estudantil mais organizada, que faz a crítica pela esquerda.

Mas também surgiu a crítica pela direita, conservadora, presente em vários setores das camadas médias. Há uma tentativa de movimentos proto-nazistas e mesmo fascistas, ainda que sejam pequenos. E, portanto, exercem uma oposição claramente à direita. Lembramos da cena daquele jovem, filho de empresário de transportes, quebrando a porta da prefeitura de São Paulo, dando a idéia de jovem raivoso contra a prefeitura do PT. Esse é o quadro que temos. No plano eleitoral, é difícil uma avaliação que não seja muito preliminar mesmo.

O grande esforço seria como avançar para que os setores populares, presentes nas manifestações, canalizassem e buscassem um outro modo de fazer política. E esse outro modo seria uma política radical. No sentido profundo do termo, de tocar nas raízes, tocando profundamente nas questões vitais, de modo a mostrar como o atual padrão de acumulação capitalista existente no país é profundamente destrutivo para as forças populares. Daí que vêm o abandono completo da vida nas cidades, o incentivo ao transporte privado e a destruição do transporte coletivo, o incentivo à educação privada etc., etc.

Dois governos Lula e também um governo Dilma foram mestres em diminuir tributos da indústria de automóveis, entupindo as cidades de carros, enquanto as malhas de ônibus, trens e metros são precárias, frágeis e mesmo inexistentes em várias cidades. Lembro de uma matéria publicada nestes dias assinalando que só 0,6% das cidades brasileiras têm metrô: 0,6%! O único transporte coletivo que funciona razoavelmente. E só existe em pouquíssimas cidades.

- Correio da Cidadania: O PT, por sua vez, tem sido objeto de uma série de balanços históricos, com distintos vieses, após uma década no poder central do país. Como você enxerga o partido hoje, ao que parece, uma força descendente, mas ainda disputando o cenário político na dianteira?

Ricardo Antunes: O PT nasceu como partido com distensões. Quem lembra do PT em 1980 e ao longo da década de 80 sabe. Um partido de muitas tendências e grupamentos, que defendiam e aceitavam - não todos, mas muitos setores - a liderança de Lula, que era um verdadeiro tertius... Comia o pau nos congressos do partido, no final ele chegava e fazia aquela costura toda, como um tertius político.

Agora, evidentemente, a esquerda foi bastante dizimada no PT. Alguns setores de esquerda do partido aceitam o domínio lulista e não o confrontam, salvo exceções. Claro que há ainda muitos setores populares filiados ao PT, mas que não tem força na cúpula do PT, que se tornou um partido tradicional. Respondendo à pergunta "é possível reinventar o PT?": quando o Lula propõe tal renovação, já é sinal de empreitada fadada ao insucesso. Se tem alguém que expressa tipicamente a trajetória do PT é o Lula. Nasceu como liderança autêntica, foi a mais importante liderança sindical do país, pouco a pouco foi exercitando a figura do "homem duplicado", até chegar ao político tradicional, que convive em qualquer espaço: com o Bush e o Obama, com Fidel e setores da esquerda latino-americana, com Aznar, com Uribe, com qualquer um. Sem ser, propriamente, de nenhum desses setores. É o espetacular político da conciliação.

E o PT é isso. Nasceu como partido de massas, independente e autônomo, com vontade de ser diferente. Pouco a pouco foi subindo degraus do poder e da institucionalidade e converteu-se naquilo que Marx chamou, no século 19, de "partido da ordem". É uma espécie de PMDB do século 21. Cabe tudo. E na sua concepção de governo todos entram, desde que tragam alguns votos, seja no parlamento, seja no voto popular. Tem contatos com a igreja católica e com os neopentecostais. Com os movimentos LGBT, mas se aproxima e quer apoio também de religiosos homofóbicos. Com setores da classe trabalhadora e do empresariado.
Isso é o núcleo dominante do PT. Faço exceção a muitos militantes de base do partido, que criaram o partido, lutaram por ele e ainda vêem chance de mudá-lo. Eu também gostaria de ver essa possibilidade de mudança. Mas como analista, não a vejo. O tempo dirá se tal análise faz sentido ou se ainda é possível - como dizem alguns de seus militantes - o PT se reconverter, reinventar-se num partido radical, de massas, anticapitalista e arraigado na classe trabalhadora, tal como ele ensaiava profundamente quando de sua concepção.

-Correio da Cidadania: Como viu a ausência de Dilma da recente reunião do PT, teria algum significado mais simbólico ou seria um sinal de uma governante acuada? Como você imagina que caminhará o governo Dilma daqui até o fim do mandato?

Ricardo Antunes: A Dilma e o PT vivem um momento difícil. E se o projeto de governo do PT no plano federal, assim como o projeto de governo do PSDB no plano estadual ou o projeto de governo do PT na prefeitura de SP, ou o projeto de governo estadual e municipal do PMDB no Rio de Janeiro, todos, estão sendo colocados em xeque, a relação entre Dilma e PT tende a ficar difícil. Porque o PT e alguns de seus núcleos têm uma carta-coringa na mão, que é puxar o Lula, acreditando que tal carta seja forte ainda. Pode ser uma carta-coringa meio surrada, uma carta-coringa tão manuseada e usada que o coringa sumiu e ninguém identifica mais que carta é essa. Pode ser, mas podemos fazer pequenas conjecturas, não mais que isso.

O governo Dilma também vive um momento difícil. Ela em tese teria a possibilidade de ser em alguma medida um escoadouro da voz das ruas, mas isso implicaria em romper com o grande capital, financeiro, industrial, do agronegócio, do setor de serviços e também das grandes mineradoras, ou seja, toda a base que sustentou o projeto Lula-Dilma. Portanto, não vejo a menor possibilidade dessa alternativa. Dilma seguirá sendo uma feitora do grande capital, tentando equilibrar-se com apoio popular. Não será nada fácil, até porque ela não é o Lula.

Restaria, então, ao seu governo, tentar recosturar uma aliança policlassista, de grande fôlego, entre o capital e o trabalho, como o governo Lula fez no segundo mandato, remunerando o grande capital como "nunca na história do país". E Lula tem razão quando fala, com eloquência, que nunca os ricos ganharam dinheiro como em seu governo. Essa é a tragédia que com o Lula vira vitória. Mas ele tem razão. Porque as classes burguesas ganharam muito e a ponta mais pauperizada da classe trabalhadora brasileira - a periferia da periferia, digamos assim, que depende do Bolsa-família - também vê o Lula como alguém diferente dos anteriores. Essa mesma periferia da periferia, que recebe Bolsa-família - hoje em torno de 70 milhões de pessoas, ou seja, muita gente -, vai se encontrar, em 2014, numa campanha eleitoral em que, de um lado, tem a Dilma e, de outro, o Aécio. Sabendo que a insensibilidade social tucana é ilimitada, vai tapar o nariz e votar na Dilma. Do mesmo jeito que fez em 2006, tapando o nariz e votando no Lula no meio da crise do mensalão, por saber que o governo Alckmin seria uma tragédia social ainda pior.

Assim, o governo Dilma não tem respostas para as lutas populares - ensaiou, mas não as encontrou, porque não pode ter tais respostas. Porque, ao seguir os clamores das manifestações populares, se ela for defender transporte, saúde e educação públicos, vai ter que ferir os interesses das grandes empresas de transporte, das grandes empresas dos pedágios (transnacionais), dos grandes setores privatistas da saúde e da educação privatizadas do Brasil, da indústria automobilística etc. Teria de enfrentar ainda os interesses do capital financeiro, sem fazer concessão nenhuma. Sendo que, naquela segunda-feira, na qual ela lançou 5 pontos primordiais, em forma de pacto com a população, vimos, em primeiro lugar, o "superávit primário preservado". Ou seja, vamos garantir o dinheiro pra remunerar os bancos e todos aqueles que ganham com o endividamento público.

Portanto, é evidente que entramos numa era de incertezas. Mas, se numa época dessa, não se encontra alternativa de outro tipo, a incerteza pode se prolongar. Por isso que as tendências críticas do governo Dilma são de grande dimensão, o que não pode, por ora, significar que sejam irreversíveis no sentido eleitoral. As eleições vão colocar um cenário já posto hoje. Mesmo que a Marina pudesse batê-la, ou o Campos pudesse ser uma surpresa, é evidente que são partes do mesmo. São mais do mesmo.

O desafio de uma política distinta é encontrar alternativas distintas contra o mesmo, contra a mesmice dominante. E nós ainda não temos essa alternativa. Porque esses movimentos, a tomar pelo seu pólo mais positivo (como o Passe Livre, Periferia Ativa, MTST e outros movimentos populares), em todas as suas manifestações sobre questões muito concretas e reais, não desembocaram e sinalizaram ainda uma alternativa política de outro tipo, uma nova modalidade de política radical, extra-institucional, profundamente contrária à atual. E esse é o desafio mais premente da luta social e política no Brasil de nossos dias.
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