[Laredviene] Fwd: Fw: Uma carta interessante - O cisma da Igreja Católica

Hildezia Medeiros hildezia en gmail.com
Vie Mar 13 18:20:01 UYT 2009


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*Este texto foi escrito por uma freira, teóloga, assistente de Dom Hélder
Câmara nas favelas do Recife. Punida pelo Vaticano.*

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*O cisma da hierarquia católica** *














*Ivone Gebara *

*(freira e teóloga)*




 Os últimos acontecimentos envolvendo a interrupção da gravidez da menina de
nove anos em Pernambuco evidenciaram um fato que já estava presente desde
muito tempo na vida da Igreja Católica Romana. Os bispos perderam o senso de
governarem unidos aos desafios da história e à fé da comunidade e julgam-se
mais fiéis ao Evangelho de Jesus do que a própria comunidade. Por manterem
uma compreensão centralizadora e anacrônica de sua função e da teologia que
lhe corresponde desviaram-se de muitos sofrimentos e dores concretas das
pessoas, sobretudo das mulheres. Passaram a ser defensores de princípios
abstratos, de incertas hipóteses futuríveis e pretenderam até ser advogados
de Deus. A este acontecimento de distanciamento chamo de cisma. Os bispos
tanto a nível nacional quanto internacional e aqui incluo também o Papa,
como bispo de Roma, tornaram-se cismáticos em relação à comunidade de
cristãos católicos, isto é, romperam com grande parte dela em várias
situações. O incidente em relação a proibição da interrupção da gravidez da
menina do qual Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife foi
um dos protagonistas é um exemplo irrefutável. Sem dúvida há muitas pessoas
e grupos que pensam como eles e que reforçam seu cisma. Faz parte do
pluralismo no qual sempre vivemos.

A hierarquia da Igreja, servidora da comunidade dos fiéis não pode em certas
questões separar-se do sentido comum e plural da vivência da fé. Não pode
igualmente para certos assuntos de foro pessoal e mesmo grupal substituir-se
à consciência, às decisões e ao dever das pessoas. Pode emitir sua opinião,
mas não impô-la como verdade de fé. Pode expressar-se, mas não forçar
pessoas a assumir suas posições. Nesse sentido, não pode instaurar uma
guerra santa em nome de Deus para salvaguardar coisas que julga serem
vontade e prerrogativa de Deus. A tradição teológica na linha mais profética
e sapiencial nunca permitiu que nenhum fiel mesmo bispo falasse em nome de
Deus. E isto porque o deus do qual falamos fala em nosso nome e tem a nossa
imagem e semelhança. O Sagrado Mistério que atravessa tudo o que existe é
inacessível aos nossos julgamentos e interpretações. O Mistério que em tudo
habita não precisa de representantes dogmáticos para defender seus direitos.
Nossa palavra é nada mais e nada menos do que um balbuciar de aproximações e
de idéias mutáveis e frágeis, inclusive sobre o inefável mistério. É nessa
perspectiva que também não se pode obrigar que a Igreja hierárquica torne,
por exemplo, a legalização do aborto sua bandeira, mas simplesmente que não
impeça que uma sociedade pluralista se organize conforme as necessidades de
suas cidadãs e cidadãos e que estes tenham o direito de decidir sobre suas
escolhas.

As comunidades cristãs assim como as pessoas são plurais. Num mundo tão
diverso e complexo como o nosso não podemos admitir que apenas a opinião de
um grupo de bispos, homens celibatários e com uma formação limitada ao
registro religioso, seja a expressão do seguimento da tradição do Movimento
de Jesus. A comunidade cristã é mais do que a igreja hierárquica. E, a
comunidade cristã é na realidade múltiplas comunidades cristãs e estas são
igualmente muitas pessoas cada uma com sua história, suas escolhas e
decisões próprias diante da vida.

Impressiona-me o anacronismo das posturas filosóficas e éticas episcopais
começando pelos bispos brasileiros e continuando nas instâncias romanas como
se pode ler na entrevista que o cardeal Giovanni Batista Re, presidente da
Congregação para os bispos, deu a revista italiana Stampa concordando com a
postura dos bispos brasileiros. Os tempos mudaram. Urge, pois, que a
teologia dos bispos saia de uma concepção hierárquica e dualista do
Cristianismo e perceba que é na vulnerabilidade às múltiplas dores humanas
que poderemos estar mais próximos das ações de justiça e amor. É claro que
sempre poderemos errar inclusive querendo acertar. Esta é a frágil condição
humana.

Creio que nossas entranhas sentem em primeiro lugar as dores imediatas, as
injustiças contra corpos visíveis e é a eles que temos o primeiro dever de
assistir. A consternação e a comoção em relação ao sofrimento da menina de
nove anos foram grandes. E isto porque é a esta vida presente e atuante, a
esta vida de menina feita mulher violada e violentada em nosso meio que
devemos o respeito e o cuidado primeiros. Por isso como membro da comunidade
cristã, louvo a atitude do Dr. Rivaldo Mendes de Albuquerque e da equipe do
CISAM de Recife assim como da mãe da menina e de todas as organizações e
pessoas que acudiram a ela neste momento de sofrimento que certamente
deixará marcas indeléveis em sua vida.

Dirão alguns leitores que minha postura não é a postura oficial da Igreja
Católica Romana. Entretanto, o que significa hoje a palavra oficial? O que é
mesmo Igreja oficial? A instituição que se arvora como representante de seu
deus e ousa condenar a vida ameaçada de uma menina? A instituição que se
considera talvez a melhor seguidora do Evangelho de Jesus?

Não identifico a Igreja à hierarquia católica. A hierarquia é apenas uma
parte ínfima da Igreja.

A Igreja é a comunidade de mulheres e homens espalhada pelo mundo,
comunidade dos que estão atentos aos caídos nas estradas da vida, aos
portadores de dores concretas, aos clamores de povos e pessoas em busca de
justiça e alívio de suas dores hoje. A Igreja é a humanidade que se ajuda a
suportar dores, a aliviar sofrimentos e a celebrar esperanças.

Continuar com excomunhões, inclusões ou exclusões parece cada vez mais
incentivar o crescimento de relações autoritárias desrespeitosas da
dignidade humana, sobretudo, quando surgem de instituições que pretendem
ensinar o amor ao próximo como a lei maior. De quem Dom José Cardoso e
alguns bispos se fizeram próximos nesse caso? Dos fetos inocentes, dirão
eles, aqueles que precisam ser protegidos contra o "Holocausto silencioso"
cometido por algumas mulheres e seus aliados. Na realidade, fizeram-se
próximos do princípio que defendem e se distanciaram da menina agredida e
violentada tantas vezes. Condenaram quem levantou a menina caída na estrada
da vida e salvaguardaram a pureza de suas leis e a vontade de seu deus.
Acreditam que a interrupção da gravidez da menina seria uma lesão ao
senhorio de Deus. Mas as guerras, a crescente violência social, a destruição
do meio ambiente não seriam igualmente lesões que mereceriam denúncia e
condenação maior? Perdoem-me se, sem querer acabo julgando pessoas, mas
diante da inconsistência de certos argumentos e da insensibilidade aos
problemas vividos pela menina de nove anos uma espécie de ira solidária me
assola as entranhas.

De fato um cisma histórico está se construindo e tem crescido cada vez mais
em diferentes países. A distancia entre os fiéis e uma certa hierarquia
católica é marcante. O incidente em relação à interrupção da gravidez da
menina pernambucana é apenas um entre os tantos atos de autoritarismo e
desconhecimento da complexidade da história atual que a hierarquia tem
cometido.

Na medida em que os que se julgam responsáveis pela Igreja se distanciam da
alma do povo, de seu sofrimento real estarão sendo os construtores de um
novo cisma que acentuará ainda mais o abismo entre as instituições da
religião e a simples vida cotidiana com sua complexidade, desafios, dores e
pequenas alegrias. As conseqüências de um cisma são imprevisíveis. Basta
aprendermos as lições da história passada.

Termino este breve texto lembrando do que está escrito no Evangelho de Jesus
de diferentes maneiras. Estamos aqui para viver a misericórdia entre nós. E
todos nós necessitamos dessa misericórdia, único sentimento que nos permite
não ignorar a dor alheia e nos ajudarmos a carregar os pesados fardos uns
dos outros.


* Teóloga


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Hildézia
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"O filósofo é aquela pessoa preocupada com o que toca ao nosso ofício de
viver como humanos"


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