Brasil/ la CUT y el peso de una estructura corporativista y conciliadora [Rodrigo Dias Teixeira - portugués]

Ernesto Herrera germain5 en chasque.net
Jue Jul 30 10:44:57 UYT 2009


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boletín solidario de información - edición internacional
Correspondencia de Prensa
Agenda Radical - Colectivo Militante
30 de julio 2009
suscripciones y redacción: germain5 en chasque.net


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Brasil

As mudanças ocorridas na CUT e o peso da estrutura sindical brasileira: um breve balanço    

Rodrigo Dias Teixeira *  


Fundaçao Lauro Campos
Socialismo e Liberdade
http://www.socialismo.org.br/portal/



O movimento sindical atua em terreno "pantanoso": ao mesmo tempo em que se propõe (em princípio) a ser um espaço de organização autônoma dos trabalhadores, tem que conviver com uma estrutura "legal" que o força, em certo sentido, a manter-se atrelado ao Estado. Esta contradição entre propor-se independente e, ao mesmo tempo, conviver com uma estrutura sindical corporativista e conciliadora, ao que tudo indica, teve peso fundamental nas mudanças ocorridas com a CUT. A estrutura sindical brasileira, mesmo após o fim da ditadura militar, mantinha fortes tendências corporativistas, mesmo no interior do sindicalismo cutista. Uma demonstração clara deste fato foi a posição expressada pelos delegados presentes no 4º CONCUT (1991) sobre o imposto sindical: apenas  31% dos delegados presentes afirmaram que devolviam o dinheiro do imposto sindical, ao invés de utilizá-lo. 

Precisamos destacar que se na década de 1980 a conjuntura política favorável de ascenso das lutas e das greves "oxigenava" a CUT, quando chegamos à década de 1990, as tendências mais gerais de burocratização se afirmaram, já que a constituição de uma estrutura sindical realmente autônoma e democrática foi muito aquém do necessário. Estas tendências só se afirmaram com a força que tiveram, pois (como acreditamos que demonstram as pesquisas sobre a CUT) mesmo nos momentos de maior avanço das lutas existiram medidas e desvios de rota que foram na contra-mão da conjuntura em que se encontravam as lutas sociais no Brasil.  Ou seja, se por um lado a manutenção da postura combativa da CUT contribuiu para o crescimento das mobilizações e greves, por outro, as transformações da sua estrutura organizativa e da concepção de mundo de alguns de seus dirigentes caminhavam no sentido da desmobilização e do descolamento da Central da participação efetiva dos trabalhadores. Estes dirigentes, se em determinados momentos não tinham a capacidade de aplicar em totalidade sua política no interior da CUT (devido a diversos fatores como a correlação de forças interna, a posição da Central na conjuntura, a existência ainda de certa democracia sindical, etc), assim o fizeram em "sindicatos grandes" como nos Sindicatos dos Metalúrgicos da região do ABC, nos quais tinham uma influência bem maior. As posições e atuações da Central não se refletiam mecanicamente em sua base, mas, ao contrário, existiam grandes diferenças em suas práticas políticas[1].

As mudanças que ocorreram não foram uniformes, e em grande medida foram guiadas pelas políticas realizadas no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, como no caso da Formação Profissional e nas atividades de Intermediação de Mão de Obra e Cooperativismo. O "Integrar", projeto piloto de Formação Profissional implementado pelo sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 1996, tornando-se um dos pilares da atuação da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) nessa área, foi a experiência que a CUT utilizou como base para formulação de seu próprio plano de atuação em Formação Profissional. Além disso, a constituição da Central de Trabalho e Renda/CTR (especializada em políticas de intermediação de mão-de-obra), como também a formação da Agência de Desenvolvimento Solidário/ADS (base da atuação cutista no cooperativismo) e a UNISOL tiveram peso central dos metalúrgicos do ABC e da sua Confederação Nacional. Dessa forma, "experiências piloto" foram gestadas nos Sindicatos dos Metalúrgicos do ABC, que posteriormente tornaram-se o padrão de atuação da CUT nas áreas citadas, irradiando sua política por todo o país. A atuação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, dominado pela Articulação Sindical, foi marcante para as transformações que ocorreram na CUT. Em muitos momentos, a Central como um todo era dirigida pelas políticas defendidas por aquele sindicato, especialmente após a constituição do "sindicato unificado" dos metalúrgicos do ABC e nas duas gestões de "Vicentinho" (1994-2000) como Presidente da CUT (ex-presidente do referido sindicato).

Acreditamos, portanto, que mesmo nos momentos em que ocorriam lutas de massa, as raízes mais profundas do fenômeno burocrático já existiam. O fenômeno histórico de crescimento dos sindicatos (como ocorreu no pós-ditadura)  acabou tendo também como conseqüência a formação de toda uma direção sindical profissional, além da possibilidade de maior organização da classe trabalhadora. Esta direção, dependendo do contexto histórico em que se insere (em especial em momentos de refluxo do movimento de massas, da falta de "oxigênio" nas lutas), pode tornar-se relativamente autônoma, descolada das classes que supostamente representam e organizam:

"A especialização de sua atividade profissional como dirigentes sindicais, assim como o horizonte, naturalmente estreito, das lutas isoladas de uma etapa pacifica, fortalece a tendência dos funcionários sindicais para a burocracia e para a estreiteza de objetivos, que se manifestam em toda uma série de tendências que podem ser fatais para o futuro da organização sindical"[2]

A burocracia seria formada no momento em que a função de dirigentes políticos tornou-se parte da divisão social do trabalho, ou seja, especializou-se enquanto atividade profissional. Isso, por si só, não determinaria uma tendência à "burocratização", isto é, uma preponderância dos aspectos profissionais e das necessidades de reprodução da vida social em detrimento dos aspectos políticos e ideológicos; mas, a formação da burocracia, por si só, traria consigo esse "germe", esta possibilidade em se tornar o seu próprio contrário, um atravanco das lutas ao invés de um espaço organizativo autônomo. Quais seriam, então, os demais fatores que engendrariam o descolamento dos dirigentes políticos das classes subalternas, contribuindo para o processo de "burocratização"?

Em primeiro lugar, temos o refluxo do movimento de massas e a posterior conjuntura de "estabilidade". Os períodos de maior condensação das lutas sociais e dos conflitos entre as classes gerariam, através de sua dinâmica, uma expansão das organizações no seio da sociedade civil. Entretanto, a partir do momento em que as classes subalternas não mantêm um efetivo processo de contra-hegemonia, as tendências gerais da forma de organização da sociedade no capitalismo como a divisão social do trabalho, hierarquização, e divisão entre concepção e execução, tornam-se preponderantes, descolando os antigos dirigentes sindicais de suas bases.

Outro aspecto importante é a parcialidade das lutas empreendidas pelos sindicatos. No curso "normal" dos conflitos entre as classes na sociedade burguesa, a luta econômica encontra-se fragmentada em uma série de lutas isoladas, seja em setores da produção ou mesmo em cada empresa. Os dirigentes sindicais acabam absorvidos pela lógica da luta econômica, supervalorizando a mínima conquista econômica como sinônimo da eficácia da luta sindical, ou mesmo como demonstração da representatividade (ou força) do sindicato[3]. Este "apelo" ao econômico faz com que os sindicalistas, como também a base atuante dos sindicatos, perca o horizonte mais amplo da necessidade de emancipação das classes subalternas, esquecendo paulatinamente a capacidade de crítica diante a estrutura do capitalismo e a forma de reprodução das relações sociais fundamentais. Com o horizonte reduzido às pequenas conquistas, as lutas econômicas acabam fragmentando ainda mais as classes subalternas, ao invés de se constituírem como um passo necessário da elevação do seu patamar ideológico e organizativo. Temos aqui, portanto, mais um dos fatores que podem "debilitar" e "fragmentar" as classes subalternas, criando grupos sociais diferenciados em seu interior.

Esta sobrevalorização das lutas econômicas acaba também por gerar a supervalorização dos sindicatos. Os sindicatos transformam-se em o espaço mais importante da luta de classes (ou mesmo o único), deslocando as lutas específicas das demandas mais gerais. Neste processo, os dirigentes sindicais tendem a deixar de lado o marxismo (como também alguns dos seus princípios básicos: independência de classe, luta de classes, o Estado como aparelho das classes dominantes, etc) em direção a uma "teoria sindical", partindo das necessidades dos próprios sindicatos e de seu horizonte mais restrito[4]. Como conseqüência deste fato, os sindicatos que antes eram combativos e autônomos perante as classes dominantes, acabam por se diferenciar muito pouco dos sindicatos burgueses tradicionais, objetivando, a cada luta cotidiana, uma solução através do pacto social. A revolução é esquecida e as lutas ficam restritas as pequenas conquistas e reformas cotidianas, que não vão de encontro à sociedade capitalista e sua lógica de mercantilização da vida[5]. Ocorre, portanto:

"(...)a supervalorização da organização, que se transforma gradualmente de meio em fim, uma coisa preciosa à qual os interesses da luta devem estar subordinados. Daí, também surge a necessidade de paz, reconhecida abertamente, que se reduz diante do risco e dos supostos perigos que ameaçam a estabilidade dos sindicatos."[6]

A crença na necessidade da estabilidade da sociedade e das conquistas graduais por parte dos trabalhadores torna-se uma das premissas ideológicas fundamentais para a burocracia. Uma burocracia que deixou de lado as lutas das classes subalternas, tornando-se agente social dos dominantes no interior dos dominados. "Funcionários de carreira" que, ao abandonar a perspectiva revolucionária, temem mais a greve de massas que a morte, pois esta poderia fazê-los perder a estabilidade de suas posições, conquistada nas negociatas com o patronato e o Estado[7]. Estas mudanças de ordem político-ideológica redefinem em grande parte o projeto de classe destes agentes sociais, os quais reproduzem no cotidiano de sua ação militante práticas e concepções das classes dominantes. A transformação de sua atuação (gerada a partir de uma mentalidade e de laços psico-sociais novos) produz um "ambiente" suscetível para que, gradativamente, o programa histórico das classes subalternas seja remodelado em direção à manutenção dos princípios gerais da atual sociedade; isto é, não podemos "separar", de um lado, os aspectos da estrutura social, e de outro, os elementos ideológicos/psicológicos dos agentes sociais em questão. Estamos diante da erupção de certos "privilégios burocráticos" que podem modificar a atuação destes dirigentes, tanto do ponto de vista prático quanto teórico.

Mandel destaca momentos diferenciados neste processo de modificação orgânica dos dirigentes das classes subalternas. Para o autor, o primeiro momento dos privilégios burocráticos seria baseado em maior medida nos aspectos psico-sociais e ideológicos do que em relação aos ganhos meramente materiais. Apesar da existência real de melhorias materiais/econômicas no sentido "estrito", o grande diferencial destes privilégios estaria, sobretudo, em algumas novas "liberdade individuais". Para os operários, abandonar o trabalho de produção comum (especialmente em períodos de maior degradação do ambiente de trabalho, maior carga horária, horas extras, etc) representa uma ascensão social, apesar de não representar uma situação "ideal". Não podemos falar, neste momento inicial, de "aburguesamento" nem de transformação em uma "camada social privilegiada"; entretanto, estes "dirigentes profissionais", que conquistaram uma "licença sindical", já vivem muito melhor do ponto de vista social, que os operários em geral. No plano psicológico e ideológico, por exemplo, é evidente que "se torna infinitamente mais agradável, para um socialista ou comunista convicto, lutar todo o dia pelas suas idéias e por objetivos que são seus, em vez de se manter no trabalho horas seguidas com todos os gestos mecânicos sabendo que finalmente vai contribuir para enriquecer a classe inimiga. É incontestável que esse fenômeno de ascensão social contém em potencial um fator importante de burocratização: aqueles que ocupam estes postos desejam continuar a ocupá-los, o que leva a defender essa situação de funcionários permanentes contra aqueles que pretendem substituí-los."[8]

Se num primeiro momento, estes privilégios são bem pouco materiais e mais psico-sociais/ideológicos, num segundo momento este panorama modifica-se. A questão material assume uma amplitude maior quando as organizações de massa começam a ocupar certas posições no interior da sociedade capitalista, como quando um dirigente sindical torna-se parlamentar, ou quando um dirigente sindical pode negociar a nível elevado um acordo as organizações patronais, e, em certa medida, conviver com elas. O processo de "democratização formal" da sociedade, que, em grande medida, é resultado do ascenso das lutas e de determinadas conquistas dos subalternos, acaba também por "mesclar" um numero maior de espaços de convivência íntima entre os dirigentes das classes subalternas e as classes dominantes[9].
Especialmente em períodos de certa estabilidade de um regime burguês representativo, ocorrem cada vez mais espaços de interprenetação, gerando uma "inclinação" para certas "tentações". A prática social destes agentes sociais modifica-se, pois seus espaços de sociabilidade, seus valores e sua ética, acabam por se conciliar com as concepções das classes dominantes. Além disso, o desaparecimento de certos obstáculos conscientemente levantados contra os perigos de posições privilegiadas abre o caminho a essa tendência de uma forma mais nítida[10].  Entretanto, temos que ter a clareza que este grupo social, apesar das grandes modificações no âmbito de ganhos materiais e em relação à concepção de mundo, não corresponde a uma "nova classe dominante". Pelo contrário. Aliás, este grupo social nem mesmo pode ser considerado enquanto "parte da classe burguesa":

"Os burocratas reformistas não fazem parte da classe burguesa. Saíram da classe operária e das organizações do movimento operário. Defendem os seus interesses logo que institucionalizam a colaboração de classe. Estes interesses coincidem historicamente com a defesa da ordem burguesa. Não correspondem necessariamente, em cada momento, à defesa dos interesses imediatos da maioria, ou seja, o conjunto da grande burguesia."[11]

Devemos definir uma classe social tendo em vista sua posição no interior da produção da vida (em especial em relação à extração de sobre-trabalho) e não meramente pelo interesse que defende. No caso destes "burocratas reformistas", mesmo que defendam historicamente o projeto de classe das classes dominantes, sendo assim dirigidos intelectual e moralmente por elas, não podemos defini-los enquanto uma "nova classe" ou mesmo enquanto parte da "classe burguesa". Este debate é um dos mais ricos e polêmicos em torno do conceito de "burocracia", em especial após as experiências pós-capitalistas ocorridas no Leste Europeu (emblematicamente na URSS) e na China.

Do ponto de vista político-ideológico, a condição necessária para o desenvolvimento de uma maior consciência de classe é a própria luta social e a auto-organização dos trabalhadores. No interior da experiência das massas, é o sucesso das lutas contra o capital que tornam os trabalhadores suscetíveis às idéias revolucionárias. Quando os trabalhadores não estão engajados em lutas de massa ou sofrem derrotas, eles tornam-se mais abertos para idéias conservadoras e reacionárias. Estas idéias conservadoras podem desenvolver-se em diversos terrenos, como em preconceitos raciais e econômicos, opressões de gênero ou homofobia, ou mesmo através da maior competição entre os diversos segmentos existentes no interior da classe trabalhadora.

A totalidade da classe trabalhadora não pode estar permanentemente ativa na luta de classes. Isso ocorre, basicamente, pois essa classe está separada da efetiva posse dos meios de produção e é compelida a vender sua força de trabalho aos capitalistas para garantia de sua reprodução social, para manutenção de sua vida. Ou seja, enquanto houver capitalismo, a classe trabalhadora apenas se engajará em lutas de massa enquanto classe em momentos extraordinários, revolucionários ou pré-revolucionários, que, devido à estrutura desta sociedade, correspondem a períodos curtos no tempo. No geral, são segmentos específicos da classe trabalhadora que se mantém ativos nas lutas contra o capitalismo, e não a classe como um todo.

A divisão social do trabalho, combinada com o refluxo do movimento de massas, acaba por tornar a "direção sindical" uma espécie de "especialização", já que as bases dos trabalhadores, por não participar de nenhum tipo de luta ou atividade sindical, não detêm o "conhecimento" necessário sobre o próprio sindicalismo, sobre as alternativas, sobre a organização da sociedade, etc. A forma de organização cada vez mais centralizada e burocratizada desses sindicatos propicia esta especialização, tornando o monopólio do saber um dos pilares fundamentais da divisão entre novos dominadores e uma nova massa dominada. O elemento de direção intelectual e moral das classes subalternas deixa, pouco a pouco, o cenário, cedendo espaço para uma dominação entre desiguais. 

A consolidação desta burocracia sindical como um segmento social específico da classe trabalhadora acaba por condicionar sua prática política e visão de mundo. A preservação do aparato sindical torna-se seu objetivo fundamental, em detrimento do crescimento das lutas e das vitórias para a classe. Este "fetichismo da burocracia" tem como parte do seu ideal o "substitucionismo", a crença de que os trabalhadores devem obedecer a seus líderes, os quais sabem "o que é melhor". Ou seja, mesmo elementos gerais da estrutura social, como a divisão social do trabalho, produzem de forma mediada suas conseqüências para o movimento sindical, nunca de forma "direta" ou puramente "econômica". Este é um ponto que gostaríamos de destacar: mais do que meramente "ganhos materiais", o fenômeno de surgimento da burocracia sindical tem relação com a descontinuidade da luta de classes e da visão de mundo das classes subalternas em um determinado período histórico. Para nós, a vinculação direta entre ganhos materiais e burocratização está mais próxima da visão liberal, que acredita que a economia (entendida como a relação entre custo-benefício) determina o conjunto das relações sociais, do que uma visão marxista revolucionária, que vê o mundo enquanto um todo complexo e denso, formado por múltiplas determinações[12].

Se a CUT manteve-se claramente classista no período que vai de sua fundação em 1983 até 1991 (IV CONCUT), entre 1991 e 1994 (IV e V CONCUT´s) temos um período de transição em direção a um sindicalismo conciliador. O período regido por esses dois Congressos Nacionais (inclusive os congressos em si) foi pautado por intensas disputas no interior da Central, iniciando a quebra do consenso geral de que todos na CUT seriam classistas e socialistas. Nesta época a CUT tinha cada vez mais contradições, pois ao mesmo tempo em que realizava lutas contra o ajuste neoliberal e mantinha-se uma frente única de massas, começava a reformular sua atuação. Um marco fundamental dessas transformações foram as deliberações da 7ª Plenária Nacional, em agosto de 1995. Com os próximos dois congressos em 1997 e 2000 (VI e VII CONCUT´s), e a nova perspectiva de atuação da Central através da constituição de "espaços públicos não-estatais", e recebimento de recursos através do FAT para implementação de atividades de Formação Profissional, intermediação de emprego, cooperativismo e acesso ao crédito, a CUT consolidou sua transição, tornando-se uma central social-liberal. Estas transformações tiveram relação direta com as mudanças na conjuntura (queda do muro de Berlim e descrença na alternativa socialista, vitória de Collor sobre Lula da Silva em 1989, expansão do ideário neoliberal e da reestruturação produtiva, vitória e reeleição de FHC, aumento do desemprego e declínio das greves, etc), como também com a disputa realizada internamente.

Do ponto de vista das relações internas entre as correntes sindicais, a Articulação Sindical, no período entre 1983 e 1991, dirigiu intelectual e moralmente a CUT, baseando sua atuação na maioria conseguida na base (imprimindo essa maioria nas votações) e nos consensos possíveis realizados com as correntes minoritárias. As divergências existentes já eram grandes nessa época (como na votação no III CONCUT em 1988 sobre o "funil" para eleição dos delegados ou a ratificação da participação nas câmaras setoriais e a filiação à CISOL em 1992), mas ainda mantinham-se pontos de convergência entre a maioria e a minoria. A partir do IV CONCUT, com o novo cenário formado pelo "funil", que gerou a forte diminuição de delegados na base, como também devido ao golpe na votação da proporcionalidade qualificada e nas fraudes existentes nas delegações ao Congresso, os espaços de "democracia sindical" foram diminuindo na Central, e gradativamente novas formulações foram ganhando densidade. A Articulação Sindical, no período entre o IV e o V CONCUT´s, entrou numa fase de transição na qual deixou de dirigir a CUT, para então dominá-la. A chapa única que aconteceu no V CONCUT (1994) tinha maior relação com a necessidade de superação da "crise" instaurada no Congresso Nacional anterior (que terminou inclusive com agressões físicas), e afirmação da aposta de todos ainda na CUT, do que com o avanço em uma maior unidade programática.

Especialmente a partir do IV CONCUT (1991), o acordo geral de que todos na CUT eram classistas foi gradativamente quebrado, diminuindo o consenso que antes existia entre a maioria e minoria, parte fundamental da direção intelectual e moral conduzida pela Articulação Sindical. A quebra de consenso e "sufocamento" dos espaços de democracia sindical foram dois aspectos de um mesmo processo de mudanças que ocorreram no interior da Central. Estas transformações tiveram relação também com o posicionamento estratégico da CUT, já que na passagem para tornar-se corrente dominante internamente na Central, a Articulação Sindical foi pouco a pouco sendo dirigida intelectual e moralmente pela burguesia, aplicando como seu o programa das classes dominantes. Um sindicalismo social-liberal, pois a CUT era uma Central que provinha da tradição socialista, e que acabava por utilizar sua legitimidade no interior das massas para propagação do projeto neoliberal, defendendo certos desvios de rota e adaptações táticas no interior das suas margens de manobra.

É importante destacar o peso fundamental que detinham as forças minoritárias (como a "CUT pela Base" e a "Convergência Socialista) e sua capacidade de influência em torno das decisões da CUT. O IV Congresso Nacional (1991) foi um exemplo da capacidade de polarização que as correntes que mantiveram a postura classista conseguiram realizar no interior da Central, chegando inclusive a ganhar uma votação e dividir a Executiva Nacional ao meio. Além disso, as correntes minoritárias, mesmo que perdessem as votações, influenciavam nas resoluções da maioria, que acabava mesclando elementos das propostas minoritárias para manutenção de certo consenso no interior da CUT. Esta influência das correntes minoritárias passava também por grandes sindicatos de base, confederações e CUT's Estaduais, que mantinham acesa a chama das lutas, impulsionando a Central para frente, e resistindo às políticas implementadas pela maioria. Mesmo com a dominação da CUT pela Articulação Sindical, o que tornava inviável uma mudança estrutural que reconduziria a Central de volta ao classismo e ao socialismo, as correntes sindicais classistas mantiveram seu papel de questionamento, fazendo propostas alternativas e mobilizando suas bases.  A manutenção do papel conjuntural da CUT enquanto uma frente única de massas na década de 1990, apesar da concepção e da prática da Articulação Sindical, só foi possível graças correlação de forças interna forjada pela postura política das correntes minoritárias, as quais se mantinham na defesa do classismo e do socialismo. A contradição da consolidação da CUT enquanto social-liberal, e a necessidade da existência de uma ferramenta de luta anti-neoliberal, que resistisse aos ataques das classes dominantes, era acirrada pelo papel que tiveram as correntes minoritárias, impulsionando a Central a ter uma postura de oposição de esquerda ao programa conservador.

A CUT, para consolidar um novo viés social-liberal, se propunha a superar sua concepção de Central operária, para tornar-se uma Central "cidadã". O esvaziamento da perspectiva de independência de classe teve enquanto "roupagem" o "sindicalismo cidadão", o qual se apropriou de termos em disputa no interior do imaginário da sociedade (como cidadania, democracia, igualdade, solidariedade, justiça, etc) de forma resignificada, como parte de sua transição em direção a um sindicalismo conciliador.

Não podemos esquecer-nos do papel que a Força Sindical teve nas mudanças do sindicalismo brasileiro. Se CUT foi gradativamente descolando-se da base, e construindo políticas voltadas para o pacto-social, a Força Sindical teve, desde sua fundação em 1991, uma atuação neoliberal, sendo pioneira na utilização de recursos para implementação de formação profissional, intermediação de mão-de-obra e seguro desemprego. A influência que a Força Sindical teve nas mudanças que ocorreram no sindicalismo brasileiro, especialmente aquele de matriz anteriormente classista, precisa de pesquisas de maior envergadura[14].  No que tange a Política de Formação da Central, ocorreu inicialmente a transição de uma formação político-sindical de cunho classista, para uma sindical-instrumental pautada pelo exercício da "cidadania plena". Ocorreu um aprofundamento dessa perspectiva com a eleição de uma nova Secretária para a SNF[15] em 1994 (V CONCUT), além do início do processo de subordinação da política de formação sindical-instrumental à formação profissional. É importante destacar a tentativa de apagar da memória da CUT o período anterior a ocupação desta secretaria pela "Articulação Sindical". Como já vimos, o período de 1984-1986 é extremamente rico no que tange a organização da formação político-sindical cutista, sendo a tentativa de apagá-lo um sintoma da mudança de rumos ocorrida no período posterior.

Desde a eleição de Jorge Lorenzetti no final de 1986, a SNF manteve-se sob controle da "Articulação Sindical". Temos a reeleição de Jorge em 1988 e 1991, depois um mandato de Mônica Valente (1994-1997), e em seguida a eleição de Altemir Tortelli (1997-2000), com sua reeleição no ano de 2000. Foram, portanto, 14 anos de manutenção da mesma diretriz política na área de formação da CUT, o que fez com que a Secretaria tivesse certa blindagem em relação às disputas internas ocorridas. Mesmo que estas disputas influenciassem nos rumos da Política de Formação, pois seus resultados possibilitaram a manutenção da hegemonia da "Articulação Sindical" na CUT, o debate específico em torno do tema teve uma diretriz clara, referenciada em um processo longo de aprofundamento de suas características, sem grandes reviravoltas ou mudanças de rumos. Devemos também destacar que a "Articulação Sindical" detinha quase que totalidade das Secretarias Estaduais de Formação, nas CUT´s Estaduais. Podemos avaliar, portanto, que as transformações ocorridas na CUT, indo em direção a execução de cursos de Formação Profissional, teve a influência de alguns fatores, como: 1)Participação nos fóruns tripartites vinculados ao FAT, como o CODEFAT e as Comissões Estaduais e Municipais de Emprego. 2)Abertura da possibilidade de execução de atividades na área de formação profissional. 3) A perspectiva da democratização do Estado através da criação de espaços "públicos não estatais". 4) A manutenção da participação da "Articulação Sindical" na Secretaria Nacional de Formação durante 14 anos (1986-2000).

Desde o V CONCUT, em 1994, no qual as atividades de formação profissional nos sindicatos filiados a CUT deviam ser "avaliadas enquanto experiências", passando pela realização do "Integrar" pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos em 1996, pelo "Integral" construído pelo CUT em 1997/1998, até consolidar-se no programa "Integração" em 1999, a Central foi progressivamente aumentado sua participação na execução de cursos de Formação Profissional.  Além da mudança de concepção, no qual um dos centros de atuação para superação do desemprego torna-se a requalificação profissional do trabalhador, a CUT tendeu a atrelar-se ao Estado, pois foi a partir dos recursos provenientes do FAT, em sua grande maioria, que os cursos de formação profissional foram realizados.

A CUT, em consonância com sua diretriz de "Central Cidadã" consolidou no final da primeira metade da década 1990 a busca pela construção de espaços "públicos não estatais", os quais em geral são articulações de entidades da sociedade civil com financiamentos estatais. Já que o Estado, por si só, era neoliberal e privatista, a própria CUT, enquanto representante legítima da sociedade civil poderia realizar políticas públicas na área de emprego, visando a ampliação da atuação estatal e sua democratização. A Central deixou de prioritariamente cobrar a execução de políticas públicas pelo Estado para ver-se enquanto melhor realizadora das mesmas políticas, lutando pela ampliação do recebimento de recursos estatais na área de intermediação de mão de obra, cooperativismo e requalificação profissional.

Dessa forma, a força do aumento das mobilizações das classes subalternas na década de 1980 oxigenou a CUT e seus espaços em prol de uma postura combativa e firme, como também a queda das greves teve grande impacto na transmutação da Central;  no geral, tendemos a dar maior peso na correlação de forças o fator subjetivo da ação das classes subalternas do que a atuação dos dirigentes da CUT e seus espaços de organização. Isto não significa a diminuição do peso da CUT enquanto agente social transformador, mas que essa se molda através da influência direta das mudanças na moral e na mobilização das classes subalternas. Não devemos, portanto, deslocar a CUT da classe que a organiza; mais do que organizar as classes subordinadas, a Central é organizada por elas, sendo reflexo da capacidade de construção de um projeto contra-hegemômico em um determinado período. 

Devemos também não cair no erro de derivar da diminuição relativa do emprego nas indústrias o enfraquecimento da CUT. Uma das teses colocadas é a de que, devido à "desindustrialização" as Centrais Sindicais com perfil mais operário, estando aí incluída a CUT, tenderiam inexoravelmente a perder sua capacidade de mobilização. Esta proposta traz como "pano de fundo" a impossibilidade da resistência dos trabalhadores em uma conjuntura adversa, já que o desemprego debilitaria a classe de uma tal forma que esta não conseguiria mais reagir, sendo então a diminuição das lutas uma conseqüência linear do aumento do desemprego. É fato que o aumento do desemprego em geral, e particularmente nas indústrias, enfraqueceu a CUT, pois aumentou a competição entre os trabalhadores, dividindo ainda mais as classes subalternas. A Central não conseguiu reagir ao impacto do ajuste neoliberal no mundo do trabalho, tendo grandes dificuldades para englobar os setores precarizados e informais da classe trabalhadora, sendo este um dos principais motivos para diminuição das mobilizações. Entretanto, e é aí que se encontra um dos aspectos fundamentais, a CUT, além de não conseguir realizar na magnitude necessária a defesa dos trabalhadores empregados, possibilitando através das lutas a permanência dos seus postos de trabalho, não teve propostas organizativas para os segmentos que flutuam entre o mercado formal e informal de trabalho. Existiu uma tendência geral da CUT caminhar em direção aos espaços formais e institucionais, enquanto o mundo do trabalho tornava-se cada vez mais "ilegal" e informal, pois o avanço das classes dominantes criava um novo "código real", que desprezava o "código legal" na medida em que este garantia conquistas aos trabalhadores. A retirada de direitos e precarização do trabalho não ocorreram apenas na promulgação das contra-reformas no Congresso Nacional, mas a partir da mudança na forma organizativa do mundo do trabalho e de sua hierarquia, fruto da existência de uma nova correlação de forças entre as classes. A CUT, ao invés de aproximar-se dos segmentos precarizados através das lutas efetivas, incorporando suas demandas em novas formas de atuação, buscou resolver o "problema do desemprego" por medidas respaldadas em instâncias institucionais como a requalificação profissional e intermediação de mão-de-obra, incluindo aí o recebimento de volumosos recursos do governo através do FAT.

Portanto, não precisamos ser imediatistas na análise dos processos históricos, tentando envolver os ciclos processuais curtos em espectros de análise mais amplos. O enfraquecimento da força mobilizadora do sindicalismo não pode nos fazer esquecer da importância histórica da CUT enquanto exceção que confirma a regra: mesmo em conjunturas adversas, é possível realizar o novo através da luta. Devemos não só buscar compreender o processo de conversão da CUT, mas também os motivos que fizeram dela um dos pilares fundamentais do projeto contra-hegemômico de organização autônoma dos trabalhadores na história do capitalismo no Brasil.

* Rodrigo Dias Teixeira é militante do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE-RJ). Autor da Dissertação "Para Onde foi a CUT? Do classismo ao sindicalismo social-liberal (1978-2000)


Notas

[1] Um exemplo marcante deste fato foi também a discussão sobre o imposto sindical: a CUT tinha uma posição contra a utilização do imposto, mas a maioria dos sindicatos de sua base o utilizava, desrespeitando a deliberação da Central.
[2] LUXEMBURGO, Rosa. Greve de Massas, Partidos e Sindicatos. In : BOGO, Ademar. Teoria da Organização Política. São Paulo, Expressão Popular: 2005. Pág 331
[3] Idem, ibidem. Pág 331
[4] Idem, ibidem. Pág 325
[5] "Eu francamente admito que tenho muito pouca inclinação ou interesse pelo que é usualmente chamado de 'objetivo final do socialismo'. Este objetivo, independente do que seja, não significa nada para mim, o movimento é tudo" Frase atribuída a Bernstein, mas sem referência exata. Tornou-se um dos símbolos da concepção dos reformistas social-democratas. Retirado de: KORSH, Karl. O fim da ortodoxia marxista. 1937.
[6] LUXEMBURGO, Rosa. Greve de Massas, Partidos e Sindicatos. In : BOGO, Ademar. Teoria da Organização Política. São Paulo, Expressão Popular: 2005. Pág 331
[7] KOHAH, Nestor. Rosa Luxemburgo, a flor mais vermelha do socialismo. Pág 4
[8] MANDEL, Ernest e ANDERSON, Perry. A burocracia no movimento operário. Cadernos Democracia Socialista - Volume V. São Paulo: Editora Aparte Pág 4
[9] Um importante exemplo desse processo foi a constituição dos diversos conselhos que a CUT participava, especialmente o CODEFAT, e os Conselhos Municipais e Estaduais de Emprego.
[10] "(...) numa sociedade onde, mais do que nunca, o dinheiro é o rei, a tentação de se adoçar a si mesmo é muito grande; certos dirigentes escapam-se, muito bem, e sucumbem." MANDEL, Ernest. Natureza do Reformismo social-democrata. Pág 5 http://combate.info/index.php?Itemid=41&id=48&option=com_content&task=view
[11] idem, ibidem. Pág 4
[12] WOOD, Ellen. "A separação entre o "econômico" e o "político" no capitalismo" in: WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo, Boitempo: 2003.
[13] A exceção nessa área corresponde ao belo trabalho de Vito Giannoti: GIANNOTTI, Vito. Força Sindical: A central Neoliberal. Rio de Janeiro, Maud, 2002
[14] Secretaria Nacional de Formação da CUT.

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